domingo, 5 de agosto de 2012

Uruguai de leste a oeste, do Oceano Atlântico ao Rio da Prata


A sede das Colinas de Garzón, inaugurada mês passado, perto de Punta del Este Foto: Bruno Agostini / O Globo

A sede das Colinas de Garzón, inaugurada mês passado, perto de Punta del Este
O Sol brilhando no azul-celeste é o símbolo máximo do Uruguai. O astro que enfeita a bandeira nacional também batiza cartões-postais, como o lindo Teatro Solís, na capital, Montevidéu. E é o protagonista de alguns dos mais famosos programas turísticos, como o final de tarde poético na Casapueblo, a mansão extravagante e linda do artista plástico Carlos Paes Vilaró, em Punta del Este, praia chique que em janeiro tem animadas festas ao entardecer. O friozinho do inverno é um convite irresistível para se visitar os vizinhos (um viva para o tannat combinado ao ojo de bife, as lareiras acesas nas estâncias e os casacos de lã de cordeiro!), mas é mesmo o verão o período mais gostoso para se passear pelo país. Punta, balneário favorito de ricaços de toda a América do Sul, fervilha de gente — nunca houve tantos brasileiros viajando para lá. Os vinhedos verdejantes estão com os cachos carregados de uvas, que começam a ser colhidas em fevereiro. E não há tempo melhor para apreciar alguns dos ótimos vinhos brancos produzidos ali, especialmente com a sauvignon blanc.
Punta: badalação em vez de praia
Punta del Este é um destino de praia um tanto, digamos, original. Porque, para muita gente, a combinação de sol, areia e mar pouco importa: o dia começa justamente quando a noite vem chegando, nas festas ao entardecer, que vão emendando em outras, em jantares, em mais outras, nos animados bares, restaurantes e clubes da cidade, que funcionam apenas no verão. Para esses, o mar é um apenas detalhe na paisagem a espelhar o sol, embelezando o espetáculo — e, quem sabe, para um mergulho matinal para combater a ressaca depois da farra noturna.
O mais turístico dos programas turísticos não é nenhum mergulho ou passeio de barco, mas também está relacionado ao sol. É a visita, ao entardecer, à Casapueblo, obra de arte em forma de arquitetura, criada ao longo de décadas pelo artista uruguaio Carlos Páez Vilaró. Depois de passear pelos aposentos, apreciar a bela exposição e visitar a lojinha, os turistas se concentram na varanda, para ver o sol morrendo no mar numa posição privilegiada. É um programa tão batido quanto lindo. Todos deveriam fazer isso uma vez na vida — ou, vá lá, ao menos na primeira visita a Punta, a mais ensolarada das cidades da Terra do Sol Poente.
Punta del Este é um destino praiano, mas boa parte dos programas mais divertidos, dos hotéis mais exclusivos e dos restaurantes mais interessantes estão em ambiente rural, longe do mar, como o Las Piedras Fasano, primeira, e bem-sucedida, investida internacional do grupo paulista, que criou uma estância de luxo, combinando o rústico e o elegante, o antigo e o moderno com uma equilíbrio impressionante. Boa parte da decoração do hotel inaugurado em dezembro do ano passado foi garimpada pessoalmente por Rogério Fasano nos antiquários da região: são móveis em madeira, livros (a biblioteca é admirável), quadros, malas... O arquiteto Isay Weinfeld criou "bangalôs" em concreto, espaçosos, aconchegantes e bem equipados.
O restaurante aberto a não hóspedes está debruçado sobre um maciço de pedras e tem uma vista espetacular. A cozinha segue a linha clássica italiana, marca registrada do clã, com receitas consagradas aqui no Brasil, como o vitelo à milanesa com arroz de açafrão, mescladas a criações do chef argentino Juan Guizzo.
— Estamos sempre incluindo novos pratos no cardápio. E, a cada estação, mexemos um pouco, mas sempre seguindo uma linha tradicional italiana — diz o chef, que acaba de incorporar ao menu uma adorável travessa de camarões, vieiras e mexilhões preparados em delicado molho de tomates.
Outro endereço rural procurado pelos apreciadores da boa mesa é o restaurante-pousada do chef celebridade Francis Mallmann, em pueblo Garzón, um pequeno e charmoso povoado com ruas de terra e um certo jeito de Velho Oeste. Ali, na pracinha central do vilarejo, o cozinheiro mais famoso da Argentina (e também do Uruguai) aplica as suas várias técnicas de cocção, usando ingredientes frescos para apresentar receitas como o magret de pato com redução de malbec e crosta de batatas, endívias e tomates, ou o vinagrete de alho-poró com ovos e anchovas.
Também não pode faltar na agenda do turista gourmet uma visita ao La Bourgogne, pertencente à rede Relais & Châteaux, filial do clássico restaurante porteño no Hotel Alvear, comandado pelo francês Jean-Paul Bondoux. No local funciona ainda uma lojinha que vende produtos gastronômicos, dos famosos pães preparados pelo chef a vinhos, azeites e conservas. Usando muitos ingredientes produzidos em sua própria fazenda, Bondoux cria um cardápio com execução perfeita, servindo pratos que podem custar mais de R$ 140, em porções reduzidas. Com este valor é possível se sentar no restaurante que fica logo em frente, o Pez Azul, de ambiente agradável, com cozinha simples e bem executada, e almoçar, com direito a couvert, entrada, prato principal, sobremesa e vinho.
Francamente, o nosso litoral é bem mais bonito, e viajar apenas para pegar uma praia em Punta... sei não. O que importa, na realidade, é que Punta, no verão, é uma festa. Mas uma festa com engarrafamentos dignos de São Paulo e jantares que podem ser mais caros do que no Rio, porque a cidade abriga um time de restaurantes e hotéis de alto nível, com cifras para poucos (mas que ali são muitos).
— Às vezes, demoro mais de uma hora para cruzar essa rua — diz o taxista que me leva até a pousada, em La Barra, o ponto mais badalado do verão de Punta, referindo-se a um trajeto que fizemos em uns dois minutos, na avenida principal cheia de bares, restaurantes e lojinhas.
Fica tudo engarrafado com Mercedes, Ferraris e Porsches, e não apenas as ruas: a população salta de 10 mil habitantes para 300 mil pessoas. Alguns hotéis já estão quase lotados para janeiro, e quem planeja férias por lá deve correr. Nem tente visitar os melhores restaurantes sem reserva — entre eles está também o La Huella, em José Ignacio. A praia a cerca de 40 minutos do centrinho de Punta é outro recanto badalado, onde está o hotel Playa Vik, com uma piscina de borda infinita debruçada sobre o mar que já virou cartão-postal — e o pôr do sol visto dali é tão belo que, assim como em Ipanema, recebe merecidos aplausos.
Em Montevidéu, vinícolas nos arredores e ótimas carnes
Montevidéu é uma cidade relativamente pequena, com uma orla agradável para um passeio e uma zona histórica central com algumas construções interessantes, como o Palácio Salvo e o Teatro Solís, além do sempre movimentado e saboroso Mercado del Puerto. Uma caminhada pelo Centro pode ser extramente agradável, passando pela Plaza Independencia, gastando um tempo nas ruas da Cuidad Vieja, atravessando a Avenida 18 de Julio, onde está a Fuente de los Candados, onde casais "se prendem" para sempre ao trancar um cadeado com os seus nomes. 
Montevidéu é uma cidade de bons restaurantes, especialmente para os amantes de carne. Uma visita ao Mercado del Puerto é programa praticamente obrigatório. E, estando ali, é impossível não comer no El Palenque, uma parrilla que, ao contrário de muitos restaurantes em pontos turísticos, está entre os melhores do país — com filial em Punta del Este. Morcilla, costeleta de cordeiro e bife de tira são fantásticos.
Quem quiser uma experiência tão boa, mais barata e menos turística pode escolher fazer uma refeição na parrilla La Otra, na elegante região de Punta Carretas. Típico restaurante de bairro, frequentado por famílias, casais e grupos de jovens amigos, a agradável casa de esquina prepara com acerto os principais cortes do Uruguai, como o ojo de bife ancho, suculento, macio, muito saboroso e que custa apenas cerca de R$ 30.
Não muito longe dali fica o Francis, que está sempre no topo das listas de melhores restaurantes da cidade, e com razão. Há ótimas "carnes a la parrilla", claro, mas o menu passeia muito bem por receitas com peixes e frutos do mar, com um sushi bar de respeito, além de massas e alguns pratos com toque criativo. É famosa a lasanha de cordeiro com espinafre e molho de alho-poró.
Outro restaurante da categoria "imperdível" é o Rara Avis, no Teatro Solís, um espaço lindo, com serviço atento e boa comida. Mas o pedido desse repórter, um coelho em três cocções, não foi muito feliz, a carne estava meio seca.
— Mas a cozinha é muito boa — garante o consultor de vinhos Paulo Nicolay, uma das maiores autoridades quando o assunto é Uruguai, e eu acredito.
Não é preciso mais de um ou dois dias para ver o que a capital tem de melhor. Mas vale estender a viagem para explorar as muitas vinícolas nos arredores, a principal região produtora de vinhos do país. A Bouza é uma das melhores bodegas do Uruguai. Seus vinhos podem ser comprados nas boas lojas do país, e estão nas cartas dos melhores restaurantes. Porém, uma visita ao lugar é imperdível não por isso, mas pelo restaurante, um dos melhores de Montevidéu — tecnicamente, a bodega está fora da cidade, mas a apenas 15 minutos do Centro.
Há boas receitas com ingredientes variados, mas não resta dúvida de que são as carnes a melhor pedida. O cordeiro de criação própria da raça Hampshire Down tem uma carne fantástica, assada à perfeição: prove o bife angosto, ou quem sabe as costeletas. O chamado chop de novillo, com carne agarrada ao osso, é capaz de arrancar suspiros por sua suculência e sabor. E o Bouza baby beef, o miolo do entrecôte, é de uma maciez exemplar. A visita também é imperdível por conta do bem montado museu de automóveis antigos, com uma respeitável coleção de mais de 30 veículos bem conservados.
Não muito longe da capital, mas no sentido oposto, em direção a Punta del Este, fica o Viñedo de los Vientos, que também serve ótimos vinhos e uma deliciosa comida aos visitantes. Mas ali a experiência pode ser ainda mais interessante, diferente de tudo. De boné, bermuda e chinelos, Pablo Fallabrino, dono da vinícola, me recebe para uma visita formidável, que começa por um passeio pelos vinhedos, passa pela bodega com os tanques de fermentação e a pequena sala de barricas, e termina no espaço dedicado à venda dos vinhos e às degustações, uma sala anexa à casa da família, ao lado da cozinha.
Pablo é surfista e produz joias engarrafadas, diferentes de tudo, originais, gastronômicas, uma farra para os apreciadores de vinho. Faz um branco no estilo do Jerez e um tinto com uvas passificadas, tipo Amarone, entre outros (poucos) rótulos, sempre seguindo essa linha, digamos, criativa. Os resultados são surpreendentes, e não é à toa que eles fazem o maior sucesso nos Estados Unidos.
— Um orgulho é ter o nosso Alcyone, um vinho doce produzido através da mistura de várias técnicas de vinificação, servido no menu degustação do Jean-Georges, em Nova York, acompanhando uma sobremesa — conta Pablo.
Só os vinhos e o estilo despojado e único da bodega já justificam a visita. Mas a mulher de Pablo, a argentina Mariana Cerutti, é uma cozinheira talentosa, que enriquece os passeios com receitas como empanadas picantes de mexilhões, costeletas de cordeiro rechedas de roquefort sobre leito de alho-poró e musse de chocolate amargo com calda de framboesas. As visitas devem ser agendadas com pelo menos 24 horas de antecedência.
— Assim tenho tempo de buscar o que está melhor no mercado e comprar os ingredientes bem frescos. Conheço um açougueiro fantástico, que me fornece carnes ótimas. A visita, seguida de almoço harmonizado com os melhores vinhos da casa, custa US$ 150, por pessoa, para um mínimo de duas pessoas. E, conforme o grupo aumenta, e de acordo com o menu e a degustação de vinhos, o preço vai caindo — diz Mariana.
Outra vinícola bem próxima a Montevidéu que produz vinhos muito bons e proporciona uma experiência e tanto para os visitantes é a Juanicó. Os programas são montados de acordo com a vontade do turista. O tour mais básico passa pelos vinhedos, pela bodega e pelas antigas edificações de pedra, inclusive uma histórica cave subterrânea, terminando, é claro, com a desgustação de alguns vinhos. E, sob encomenda, é possível criar visitas personalizadas, com vinhos mais antigos, parrillada e canapés harmonizados com cada vinho servido. Degustações podem ser programadas para acontecer no roseiral, no meio do vinhedo, ou na casinha de madeira construída à beira de um lago para observação de aves. E dá até para organizar um passeio pela propriedade a bordo de algum dos três carros antigos que enfeitam a vinícola, em ótimo estado de conservação.
Serviço
Onde ficar:
Las Piedras Fasano: Diárias a partir de US$ 800. Punta del Este.laspiedrasfasano.com
Garzón: Diárias a partir US$ 590 (com café da manhã, almoço, chá da tarde e jantar). Punta. restaurantegarzon.com
Vik Playa: Diárias a partir de US$ 800. Punta. playavik.com
Intercity: Diárias a partir de US$ 125. Montevidéu. intercityhoteis.com.br
Tryp Hotel Boutique: Diárias a partir de US$ 153. Montevidéu.solmelia.com
Beber e comer:
La Bourgogne: Punta del Este. labourgogne.com.uy
La Huella: Punta del Este. paradorlahuella.com
El Palenque: Punta del Este e Montevidéu. elpalenque.com.uy
Francis: Montevidéu. francis.com.uy
Rara Avis: Montevidéu. raraavis.com.uy
Bouza: Arredores de Montevidéu. bodegabouza.com
Viñedo de los Vientos: Arredores de Montevidéu. vinedodelosvientos.com
Juanicó: Arredores de Montevidéu. juanico.com

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