domingo, 5 de agosto de 2012

Montevidéu: uma capital à moda antiga





A Plaza da Independencia, no coração de Montevidéu, com o Palácio Salvo ao fundo
Foto: Bruno Agostini / O Globo

A Plaza da Independencia, no coração de Montevidéu, com o Palácio Salvo ao fundo
Símbolo da literatura argentina, Jorge Luis Borges certa vez escreveu que Montevidéu "é a Buenos Aires que tivemos, a que com os anos se afastou silenciosamente". Poucas comparações entre as duas cidades rioplatenses foram tão felizes quanto esta, do poema "Montevideo". Visitar a capital uruguaia é voltar um pouco no tempo, para uma época em que grandes cidades podiam ser acolhedoras, em que o ritmo de vida permitia uma boa conversa nas esquinas, com cuia de mate e garrafa térmica debaixo do braço. E essa pequena viagem ao passado pode ser feita em apenas um final de semana, antes ou depois de uma visita à capital argentina, chegando sexta-feira à noite e voltando domingo, após o pôr do sol. História, cultura, ótimos churrascos e um certo clima de melancolia nostálgica no ar. Mas se a trilha sonora for Gardel (que, dizem, era uruguaio), fica tudo mais bonito, como antigamente.
Sexta-feira: Noite regada a uvita e parrillas de enlouquecer
Se você chegou à capital uruguaia com a sexta-feira perto do fim, é preciso um tratamento de choque, um intensivo em Montevidéu. Para isso, poucos lugares são tão eficientes quanto o Baar Fun-Fun ("funfum", como pronunciam os locais). Trata-se de um ícone da boemia da cidade e mistura, desde 1895, tango, tradição e a inigualável uvita, uma bebida a base de vermut e vinho, doce, que só é vendida ali.
Este acanhado boliche (bar com música, em bom castelhano) fica a poucos metros do Teatro Solís e da Plaza Independencia, coração de Montevidéu, e funciona quase como um portal de volta ao passado. Quem se vê naquele ambiente, pouco iluminado por uma luz avermelhada, e com paredes cobertas por retratos de músicos e cantores, recortes de jornal e flâmulas de equipes de futebol muito antigas, pode até duvidar que está mesmo no século XXI. E a trilha sonora, só de tango e candombe (ritmo africano, herança cultural da cidade), ajuda a reforçar essa impressão.
O Fun-Fun não é exatamente um restaurante, mas tem um bom cardápio com tira-gostos, pizzas e sanduíches. Alguns itens do menu foram batizados com nomes de artistas e músicas de tango, como a pizza La Cumparsita (um dos tangos mais famosos, composto em Montevidéu), com mozzarella, presunto e molho de tomate. Já Carlos Gardel, que era frequentador do Fun-Fun, batiza um mix de tira-gostos que leva pães, queijo, jamón, azeitona, raviólis e rolinhos primavera. Há música ao vivo de quarta-feira a sábado. As noites de sexta e sábado têm dois números musicais, um de tango e outro de candombe. Para garantir uma mesa, reserve com antecedência.
Mesmo que tango e uvita levem você para a cama tarde da noite, levante cedo no sábado para explorar o Centro e a Ciudad Vieja. Um bom ponto de partida é a movimentada Avenida 18 de Julio, artéria comercial mais importante da capital, com lojas de roupas e artigos de couro, além de casas de câmbio, bancos e, claro, batedores de carteira. Montevidéu é muito tranquila, mas não a ponto de achar que os bolsos e bolsas estejam totalmente a salvo.
Ao longo da avenida há pontos de escape de tanto movimento, como a tranquila Plaza del Entrevero e confeitarias tradicionalíssimas, como o Emporio de Los Sandwiches, cuja especialidade são sanduichinhos de pão de miga, e La Barcelonesa, com doces ótimos. Mas é seguindo a 18 de Julio que se chega à Plaza Independencia, onde está o panteão do General Artigas. Mais do que ter virado nome de rua no Leblon, este homem liderou o os rebeldes da margem oriental do Rio Uruguai, dando início ao processo de independência do país.
Mesmo que não tenha visto a famosa estátua equestre de Artigas, você saberá que chegou à praça ao avistar a torre do Palácio Salvo, no finalzinho da 18 de Julio. O prédio, um marco da arquitetura da cidade, foi inaugurado em 1928 exatamente no local do café La Giralda, onde foi apresentada, pela primeira vez, "La cumparsita", por seu autor, o uruguaio Gerardo Matos Rodríguez.
Na face leste da praça está o Portão da Ciudadela, o que restou do antigo forte que protegia o lado oeste do antigo núcleo urbano da capital. As muralhas que cercavam o que hoje é a Ciudad Vieja (Cidade Velha) também se foram, mas o traçado das ruas ainda é o mesmo de 1724, quando a coroa espanhola, em resposta à fundação de Colônia do Sacramento pelos portugueses, começou a construir uma base mais sólida na margem norte do Rio da Prata.
Caminhar sem roteiro definido pelas ruazinhas dessa área, em meio a prédios antigos, é passear um pouco pela história. Aos sábados acontece uma simpática feira na Plaza Constituición, ao redor da qual estão a Igreja Matriz e o Cabildo, a antiga sede administrativa.
Cafés com mesinhas nas ruas se espalham por todos os lados. Um dos mais tradicionais é o Café Brasilero, de mais de 130 anos. Ele é o lugar ideal para um cafezinho com bolo depois do almoço, que, na Ciudad Vieja, só pode ser no Mercado del Puerto, que reúne diversos restaurantes. O mais famoso é o El Palenque. Também há o Roldó, onde foi criado, segundo a tradição, outra iguaria etílica que só se acha por essas bandas, o medio y medio, que mistura vinho branco e espumante, ótimo para abrir o apetite. Como se precisasse, já que todos os restaurantes exibem suas parrillas, sempre repletas de asados de tira, colitas, ojos de bife, chorizos y otras cositas capazes de enlouquecer qualquer carnívoro.
O centro histórico também reúne alguns dos museus mais importantes de Montevidéu. Um dos mais visitados, o Museu do Carnaval, funciona bem ao lado do mercado. Outros ocupam belos palacetes, como o Museu de Artes Decorativas, no imponente Palácio Taranco. O Museu Torres Garcia, dedicado à obra deste pintor uruguaio, é outra boa pedida.
Mas nenhuma atração cultural do Centro é tão marcante quanto o Teatro Solís, o principal palco da cidade, fundado em 1856, e localizado na Plaza Independencia. A programação de óperas e espetáculos teatrais é intensa, mas quem quiser apenas conhecer um pouco mais do prédio de linhas neoclássicas com um sol gravado na fachada, como o da bandeira nacional, pode aproveitar uma das quatro visitas guiadas.
Ao fim da tarde, o movimento do Centro começa a cair drasticamente. É hora de seguir para a "Zona Sul" de Montevidéu, principalmente os bairros de Pocitos e Punta Carretas. Ali estão as melhores opções de hospedagem, bares e restaurantes da capital. Para um bom jantar, procure os restaurantes Francis e La Otra, em Punta Carretas. Se quiser agitação noturno, boa parte das indicações levará ao Pony Pisador, em Pocitos.
Sábado: Pôr do sol na orla ganha cores e sabor de doce de leite
Depois de algumas medias lunas e suco de pêssego, é hora de aproveitar o domingo. Se não estiver chovendo, o melhor a se fazer é curtir o parque e o litoral de Montevidéu. Aqui vale uma ressalva: o "mar" da cidade é na realidade o Rio da Prata, e só pinguins ou pessoas muito adaptadas a água bem fria costumam se aventurar num banho. Para uma caminhada na orla é bom levar um casaquinho.
Para quem gosta de compras, o principal programa de Montevidéu acontece aos domingo pela manhã, na Calle Tristán Sarvaja, no Centro. Toda a extensão da rua é tomada por uma grande feira, que vende de tudo um pouco, de alimentos a roupas. Mas o motivo de sua fama mora entre dois quarteirões, da Calle Cerro Largo à Avenida Uruguay. Nesse trecho estão as barraquinhas de antiguidades e itens de coleção. Antiquários e sebos também funcionam por ali.
Se bater perna e pechinchar não está na sua lista de atividades, uma boa opção são os parques da cidade. O mais próximo do Centro é o Batlle (pronuncia-se "báche"), onde estão importantes equipamentos esportivos da cidade, sobretudo o Estádio Centenário. Outra grande atração é o monumento La Carreta, que homenageia os colonos do interior do país.
A outra área verde da região é o Parque Rodó, numa das regiões mais valorizadas de Montevidéu, entre a área central e os bairros de Punta Carretas e Pocitos, junto à Rambla Presidente Wilson. O Rodó é dividido em duas partes. A maior delas é uma grande região verde, com muitas árvores, estátuas, fontes e um lago repleto de pedalinhos e pequenos botes.
O outro pedaço é um parque de diversões. Mas esqueça brinquedos modernos, simuladores ou coisas do tipo. Bem de acordo com o clima da cidade, os brinquedos mantêm aquela cara de antigamente: carrossel, barco-viking, bate-bate. Tem até trem-fantasma. Há alguns restaurantes, mas a graça é experimentar nas barraquinhas a típica comida de rua uruguaia: churros, choripán (pão com linguiça), chivitos (sanduíches de carne) e pancho (cachorro-quente).
Mas não coma muito. Aproveite que está ao lado de Pocitos e Punta Carretas para almoçar. Esses dois bairros concentram alguns dos melhores restaurantes da cidade. Se quiser comer outra coisa que não carne, para variar, o El Viejo y El Mar, de frutos do mar, e o italiano Da Pentella, são dois nomes tradicionais.
A "Zona Sul" de Montevidéu também tem os melhores shoppings da cidade, o Punta Carretas Shopping, que funciona no prédio que já abrigou a maior cadeia da capital, e o Montevideo Shopping, onde está o melhor cassino da cidade. Mas não convém desperdiçar uma tarde de sol quando se pode fazer a digestão caminhando pelos calçadões, as Ramblas, das praias do Rio da Prata.
De um pouco antes da Ciudad Vieja até Carrasco, na ponta oeste da cidade e onde fica o aeroporto internacional, Montevidéu tem 22 quilômetros de via costeira ininterrupta, que muda de nome diversas vezes. Cada trecho é conhecido como rambla e boa parte delas é acompanhada de um calçadão, onde se pode caminhar, correr, pedalar ou simplesmente sentar para apreciar o pôr do sol.
As ramblas mais populares são as Presidente Wilson, Mahatma Gandhi e República do Peru, justamente as que contornam o litoral beirando o Parque Rodó até o final da praia de Pocitos, a Ipanema local. Pelo caminho é provável que encontre alguma sorveteria Freddo, mas iguais a essas há aos montes em Buenos Aires. Procure a rede uruguaia La Cigale, compre um sorvete de dulce de leche, e aprecie o pôr do sol. Se às vezes Montevidéu se mostra em preto e branco, nesse momento, seu colorido é inesquecível.
Domingo: Futebol e batucada... na terra do tango
Duas grandes paixões brasileiras são traços importantes também da cultura de Montevidéu. Futebol e carnaval são coisa séria e podem ser ótimos programas num fim de semana para aqueles que não vivem sem um ou outro (ou sem os dois).
Palco da primeira Copa do Mundo, em 1930, vencida pela seleção da casa, o Estádio Centenário é a materialização do futebol uruguaio. Localizado no centralíssimo Parque Battle, o estádio é a casa das duas equipes mais populares do país, Peñarol e Nacional (que também manda jogos no acanhado Parque Central, a poucos quilômetros dali). Então a chance de haver ao menos uma partida no fim de semana é grande.
Conseguir ingressos costuma ser fácil, mesmo em jogos importantes. Mas o visitante deve esperar encontrar um estádio, digamos, mais vintage, com arquibancadas de cimento e a céu aberto. Mas aí está exatamente a graça. E mesmo que o jogo não esteja bom, há certeza de show na arquibancada, com cantos variados, muitas vezes cheios de provocações ao rival.
É pena que o Museu do Futebol, que funciona dentro do estádio, só abre suas portas para os visitantes de segunda a sexta-feira. Não dispõe de tantos recursos quanto o museu dedicado ao esporte no estádio do Pacaembu, em São Paulo, mas tem história de sobra.
Os montevideanos se orgulham ao dizer que seu carnaval, de 40 dias no começo do ano, é o mais longo do mundo. Muito da fama da folia uruguaia vem do candombe, a batucada quase hipnótica (o ritmo de origem africana lembra às vezes o batuque baiano) que pode ser ouvida nas ruas de parte da cidade durante todo o ano. Sobretudo no Barrio Sur e em Palermo, bairros colados ao Centro e a Ciudad Vieja.
Esses bairros estão para Montevidéu como a Pedra do Sal e a Praça Onze para o Rio. Ali foi o grande polo de cultura negra da cidade e essa herança sobrevive muito em parte ao candombe. Seus desfiles, ou llamadas(chamadas), concentram dezenas de ritmistas, que saem em marcha durante o carnaval. Mas muitos desses grupos se reúnem durante todo o ano, quase sempre aos sábados à tarde, para ensaiar ou apenas se divertir. Depois de tanto tango, topar com uma batucada boa ao dobrar uma esquina é como comemorar um gol no Centenário.
Serviço:
Onde comer:
Mercado del Puerto: Piedras 237, Ciudad Vieja. mercadodelpuerto.com.uy
Café Brasilero: Ituzaingó 1.447, Ciudad Vieja. Tel.(0598) 2915-8120.
El Viejo y El Mar: Rambla Gandhi 400, Punta Carretas. Tel. (0598) 2710-5704.
Da Pentella: Luis de la Torre 598, Punta Carretas. Tel. (0598) 2712-0981.dapentella.com.uy
La Otra: Tomas Diago 758, Pocitos. Tel.  (0598) 711-3006.laotraparrilla.com
Francis: Luis de la Torre 502, Punta Carretas. Tel. (0598) 2711-8603.francis.com.uy
Noite:
Baar Fun-Fun: Ciudadela 1.229. Tel. (0598) 2915-8005. barfunfun.com
El Pony Pisador: José Iturriaga 3.497. Tel. (0598) 2915-7470.elponypisador.com.uy
Passeios
Teatro Solís: Reconquista com Bartolomé Mitre. Visitas de terça a sexta-feira e aos domingos, às 11h, às 12h e às 16h. Aos sábados, também às 13h. Preço: 40 pesos uruguaios (em torno de R$ 4). teatrosolis.org.uy
Museu Torres Garcia: De segunda a sexta-feira, das 9h30m às 19h30m. Sábados das 10h às 18h. Domingos, fechado. Ingresso: 60 pesos uruguaios. Peatonal Sarandí 683, Ciudad Vieja. Tel. (0598) 2916-2663.torresgarcia.org.uy
Museu do Carnaval: De terça-feira a domingo, das 11h às 17h. Ingresso: 45 pesos uruguaios. Rambla 25 de Agosto 218, Ciudad Vieja. Tel. (0598) 2916-5493.

 

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