quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Nova movida madrilenha



La Gabinoteca: varanda lotada em frente à pracinha em área residencial de Madri Foto: Cristina Massari / O Globo
La Gabinoteca: varanda lotada em frente à pracinha em área residencial de Madri
MADRI - A deliciosa capital onde se passeia e se diverte em etapas é para ser saboreada aos poucos. Escolha uma região, um quarteirão, um naco da cidade para explorar. E, se der fome, saboreie-o parando numa tapería, ou melhor, num gastrobar. No país das tapas — refeições ligeiras de bocados para serem degustados com uma taça de vinho, cava ou cerveja — sua capital elevou o estilo ao estado de arte e agora os gastrobares se proliferam. Para fazer um despretensioso e delicioso roteiro por esses gastrobares a receita é simples. E divertida: escolha uma região no mapa de Madri, marque um ou outro ponto para visitar pela cidade e intercale os passeios — se possível a pé, ou de metrô, se estiver muito frio — com paradas nas taperías (com grife, de preferência). Ah, e examine o cardápio atentamente, porque gastrobar que se preza tem recadinho do chef, geralmente preocupado em deliciar seus clientes fazendo com que se sintam em casa. Madri é simples assim. Saboreie-a!
Tapas, diversão e arte
O roteiro pelos gastrobares de Madri não deve dispensar o Paseo del Prado, onde 99,9% dos visitantes circulam para visitar museus como o Prado, Caixa Forum, Reina Sofía ou Thyssen-Bornemisza. Aos domingos, a avenida e seus bares lotam. E, embora esse não seja um bom dia para procurar os gastrobares — muitos deles fecham — quem estiver por lá não vai perder o dia, porque ali pelo Paseo del Prado alguns ficam abertos. O Estado Puro funciona, mas só à tarde. Outro, o La Tapería, abre à noite. Mas este serve de exemplo para a diferença entre uma tapería de grife que honra o nome do seu chef e as taperías comuns. Um oferece um cardápio com estilo, enquanto outro segue a linha petiscos sem personalidade.
La Tapería: Nem todo jamón que reluz é ouro
Não se deixe enganar. Nem todo jamón ibérico que reluz é ouro. E nem toda tapería, mesmo com a assinatura de um chef — Miguel Xavier Monar, nesse caso, honra seu nome. De cara para a entrada do Museu do Prado, com simpáticas mesinhas na calçada com vista para o vaivém do Paseo del Prado, o local é uma escolha fácil para quem cansou de andar. Já estava ficando escuro, e após um longo dia de caminhada, essa tapería bem pertinho do hotel vinha a calhar. O jamón sobre tostadas e tomates ( 5,40) e a porção de batatas cozidas com "molho das Ilhas Canárias" me pareceram simpáticas à primeira vista. Mas as batatas, cozidas e servida numa porção vendida a 8,50 não tinham a mínima graça. Resolvi apelar para o atum grelhado com emulsão de ostras e algas e molho dashi ( 13). Nada tinha muito gosto. O cardápio listava ainda sobremesas universais, sem personalidade, do tipo brownie de chocolate com sorvete de chocolate e calda de chocolate. Passo.
Mas, quem se importa? As mesas na calçada ficam sempre cheias. O ponto não poderia ser melhor: de frente para o parque, com vista para a entrada arborizada do Prado.
La Tapería: Plaza Platería de Martínez n 1, Paseo del Prado 22. Abre de segunda a quinta-feira, das 8h à 1h. Nos fins de semana, das 10h às 2h. Tem outra filial na Calle San Bernardo. Lataperia.es
Estado Puro: Tradição com muito estilo em mesas compartilhadas
As tostadas crocantes com anchovas do Cantábrico sobre lâminas de presunto ibérico de bellota pontuado por tomate e manjericão da foto ao lado ilustram também a capa do livro "Tapas em estado puro", de Paco Roncero, que o atencioso garçom me trouxe para folhear enquanto aguardava meu pedido. O gastrobar é uma das sensações de Madri para os apreciadores da cozinha de tapas.
O presunto e a anchova de sabor suavizado combinaram perfeitamente. E o leve molho de tomate, que é quase uma marca registrada para esse tipo de refeição ligeira na cidade, deixa saudades. Na lista de petiscos frios, o prato é um dos carros chefs do gastrobar Estado Puro, de Roncero, e figurava como a opção mais cara do cardápio da casa: 21. Em seguida, os boquerones fritos al limón ( 7,25) casaram perfeitamente com o vinho branco de Rioja, sugerido pelo mesmo simpático garçom. Cubos de batata frita com pingos de aïoli e ovas de arenque também foram boa companhia para o peixinho frito. Tudo muito bem arrumadinho em porções delicadas servidas em bandejas de pedra tipo ardósia.
As mesas com bancos altos para serem compartilhadas e os balcões com bancos de frente para janelões com vista para a rua contribuem para a informalidade do ambiente de uma tapería. Na decoração, a tradição espanhola é representada pelas presilhas de cabelo, que cobrem uma das paredes do lugar. Na outra parede, um painel à la Norman Rockwell faz honras às refeições rápidas no melhor estilo fast-food. Aqui temos comida ligeira em pequenas porções seguindo a mais autêntica tradição espanhola: tapas em estado puro. A relação custo-benefício compensa, com serviço simpático e comida sem afetações, para lá de saborosa.
A casa é um dos poucos gastrobares que abre aos domingos, quando fecha ao cair da noite. É uma ótima pedida para uma tarde dominical entre uma e outra visitas aos museus próximos: Prado, Caixa Forum ou Reina Sofía. A partir das 14h, fica lotado, com gente de todas as idades. Em comum o fato de ninguém se importar em compartilhar o mesão com bancos altos, como o grupo de amigas que se sentou ao meu lado para dividir porções de salada César e outros petiscos. Outro hit de Paco Roncero são os miniburgueres com batatinhas palha (3 unidades a 10,5).
Com o sucesso do gastrobar nos arredores do Prado, o chef Paco Roncero — diretor gastronômico do Casino de Madrid e considerado um dos discípulos mais conceituados de Ferran Adrià, o que lhe rendeu o crédito de revolucionar a gastronomia madrilenha — abriu outra filial recentemente no NH Palacio de Tepa, um cinco estrelas no bairro Las Letras.
Estado Puro: Na entrada do hotel NH Paseo del Prado. Plaza Cánovas del Castillo 4. Aberto diariamente das 11h a 1h. Fecha no domingo à noite. Metrô: Antón Marín (L1) e Banco de España (L2).tapasenestadopuro.com
Passeando sob as vistas de Colombo
O romantismo de Madri se vê nas ruas. De um lado e de outro do Paseo de Recoletos, entre a beleza da Plaza de Cibeles, enfeitada pela fonte e o palácio que lhe dão nome, e a imponência e a movimentação da Plaza de Colón, com o monumento que homenageia o descobridor das Américas, não é raro ver casais de mãos dadas. À noite, o caminho dos pedestres é iluminado por postes graciosos e mais baixos que os refletores que servem às vias de rolamento. Madri convida o visitantes a longos passeios a pé, mesmo no inverno. Em janeiro e fevereiro, as temperaturas médias ficam em torno de 11 C e a previsão para os próximos dias não desanima. Nessa região, ao menos dois endereços merecem a atenção de quem busca os gastrobares. Mas antes de ir vale conferir os horários. Tem locais que acompanham o comércio e fecham no meio da tarde. Outros são ideais para começar a noite, sempre animada em Madri.
Sula: Elegante como as vitrines de Salamanca
Caminhando pelas vitrines elegantes de Recoletos, em Salamanca, ou após uma visita ao Parque do Retiro, onde ficam o Palácio de Cristal e o Palácio de Velázquez, vale dar uma esticada até o Sula. O ambiente é elegante e minimalista. Tem mesas do lado de fora, mas para tapas o melhor mesmo são as mesinhas em frente ao balcão, frequentado por gente que faz uma pausa no trabalho para um almoço com calma, sem descuidar do sabor, em ambiente discreto e tranquilo.
O jamón Joselito é o astro no cardápio do Sula. Na versão tapas, é servido sobre um crocante e delicioso pedaço de pão: jamón cru reserva Añada 2007 com pan de cristal, caña de lomo ibérico ( 2,50). Aqui vale uma pausa para honrar a fama de Joselito: a fina lâmina sobre a camada de pão crocante encharcado com bom azeite desmanchava na boca. Em seguida, a porção de ceviche de pescado fresquíssimo, com salsa de ervas e limão e um toque de gengibre, servida num copo de vidro, foi outra ótima pedida ( 3). Também vale a pena se aventurar pelo menu degustação em oito etapas, a 29, principalmente se a refeição for curtida a dois. O jamón é um chamariz e o ceviche é memorável.
O Sula foi citado por Ferran Adrià como um dos seus lugares favoritos em Madri. Ele diz que os presuntos e as receitas preparadas pelo chef Quique Dacosta (do El Poblet) atraem as pessoas bonitas da cidade. Também recomendam o Sula o crítico gastronômico Rafael García Santos na imprensa especializada local e Robert Parker, crítico de vinhos.
Sula: Calle Jorge Juan 33, Salamanca. O bar abre de segunda-feira a sábado, das 12h à meia-noite. O restaurante funciona das 13h30m às 16h e reabre às 20h30m, até a meia-noite. Metrô: Principe de Vergara, Serrano, Velázquez. sula.es
Le Cabrera: Ostras com borbulhas
Bar elegante ótimo para começar a noite, que em Madri, sempre promete. Vale dar uma caprichada no visual. O ambiente é de festa: fechado e escuro, com balcão iluminado. No cardápio assinado por Sergi Arola (duas estrelas Michelin) e pelo barman Diego Cabrera, escolha pratos mais glamourosos, como ostras (especialidade da casa) com borbulhas (cava para honrar os produtores nacionais). O menu de drinques é variadíssimo. E a cultura da arte de prepará-los e degustá-los é levada a sério na casa. O serviço é atencioso, com atendentes simpáticos. O recadinho no cardápio convida os clientes a ficarem à vontade: "Entrar em Le Cabrera é sentir o ambiente acolhedor de um espaço desenhado para estar tão a gosto como o salão de sua casa".
Nos fundos do salão, que fica no subsolo, uma estante exibe uma interessantíssima coleção de coqueteleiras e copinhos de drinques. Das coqueteleiras, os olhos passaram para a coleção de panelas e garrafas de sifão em prateleiras numa parede espelhada contornando o salão, que me reavivaram lembranças de família.
O ambiente é bem animado, ideal para embalar o início da noite. No dia em que fui, o som me remetia aos anos 70, com regravações também da década de 1960. Algo como "Blowing in the wind" com arranjo de guitarra elétrica, numa sonoridade meio Beach Boys com uma pegada mais folk. A campainha soa três vezes antes de fechar o bar. Nem dá vontade de ir embora.
Le Cabrera: O bar de coquetéis abre de segunda a quinta-feira, das 16h às 2h. Sextas, das 16h às 2h30m, e sábados, das 13h às 2h30m. O gastrobar abre de terça a quinta-feira, das 13h30m às 16h e das 20h30m à meia-noite. Às sextas e aos sábados, das 13h30m às 16h e das 20h30m às 2h. Paseo de Recolletos y Calle Barbara de Braganza 2.
Entre comidinhas e compras
Vai às compras? Neste quesito, El Corte Inglés é imbatível. Tão indispensável como o Museu do Prado ou o Reina Sofía num roteiro cultural. A megaloja de Nuevos Ministerios fica mais ao norte da área dos museus. E, quem reserva umas horinhas para se perder entre os seus muitos andares e aproveitar as ofertas tentadoras desses tempos de crise europeia, merece um lanche que compense o esforço. Os dois gastrobares que recomendamos para acompanhar o dia de compras não ficam exatamente por ali. Mas, a uma curta — e compensadora — viagem de metrô, ou de táxi.
Aris Bar: Surpresas adocicadas
O Aris Bar fica numa área mais afastada, onde há várias embaixadas (não, a do Brasil não fica por ali), em Chamartín, mais ao norte, nas proximidades de Puerta de Europa. Por fora, você não dá nada e pode até perder a entrada. O bar fica dentro do Hotel Aristos, um discreto três estrelas, de aspecto bem padrão. O gastrobar divide mesas com o restaurante El Chaflán e, por isso, tem horários mais limitados.
O salão tem cara de restaurante de hotel sem charme, com um pequeno átrio cercado de plantas, onde os preços do cardápio são 15% mais altos. Como praticamente todos os clientes que estavam lá, preferi saborear minha refeição ao ar livre.
O cardápio trouxe combinações de receitas tradicionais cuja rotina foi deliciosamente quebrada por toques adocicados. O queijo frito com geleia de tomates ( 2) — composição que não prometia muito, revelou-se uma grata surpresa. Da mesma forma o ceviche de polvo com espuma de maracujá (uma musse bem macia, sem açúcar e com sabor mesmo de maracujá), com temperos picadinhos e um leve toque de gengibre. Na carta, o recado do premiado chef Juan Pablo Felipe revela o lado emotivo de suas receitas criativas: "A cozinha tradicional é patrimônio de cada povo. Preservar os costumes é um dever de cada um de nós. No Aris Bar, os ofereço a cozinha que me transmitiram e hoje transmito a meus filhos. Uma cozinha caseira, saborosa e saudável, feita com carinho e com meus mais sinceros desejos de que recebas um pequenos espaço de felicidade. Bom proveito!"
Aris Bar: Aberto de segunda-feira a sábado, mas só à noite, a partir das 20h30m. Metrô: Pio XII, Duque de Pastrana. elchaflan.com
La Gabinoteca: Decoração inusitada
"Comer e viver" é o lema desta simpática tapería, frequentada, em boa parte, por gente que faz uma pausa para picar na jornada de trabalho. A ideia dos donos, os irmãos Nino e Santi (filhos dos proprietários do Restaurante La Ancha) e Hussi (ex-executivo da área de marketing), foi criar um ambiente informal e divertido onde os clientes também se sentissem em casa. Conseguiram.
A arquitetura brinca com as impossibilidades do imóvel, que tem uma planta verticalizada e faz você descer ou subir escadas para chegar a sua mesa. Se estiver sozinho, experimente as mesas laterais — que parecem cápsulas embutidas na parede, ideais para quem almoça só. Ou os balanços, usados como bancos. O balcão do bar é cercado de ripas de madeira e fica no meio da entrada do restaurante. Foi a decoração mais surpreendente que encontrei. Mas também tem mesas e cadeiras ou bancos normais para quem prefere apenas observar tanta inovação. A clientela é simpática, jovial e descontraída — tipicamente madrilenha. Para quem prefere um pouco menos de descontração, há um ambiente mais reservado no andar de cima.
Uma boa pedida para o lanche da tarde são as bocatas de calamares com chipirones: sanduíche recheado com porção de lula à milanesa. É um clássico madrilenho, que veio crocante, ótimo para ser acompanhado por um copo de chope. As saladas têm boa saída também, e ali, podem ser só de folhas para combinar com o pedido. Os sanduíches custam 5,10.
Nas proximidades, fica o Museu de Ciências Naturais, mas o local está fora do circuitão turístico. Ninguém ao seu redor estará tirando fotos. Ao lado, ruas e prédios residenciais. O edifício onde fica o restaurante também é residencial, e está de frente para uma pracinha. As mesas na calçada costumam lotar primeiro, ao menos no verão.
La Gabinoteca: Calle Fernandez de la Hoz 53, esquina com Bretón de lós Herreros. Aberto de segunda a sexta-feira, das 13h30m às 16h e das 20h30m às 23h30m (às quintas e sextas, até a meia noite). Aos sábados, das 21h à meia-noite. Fechado nos feriados. Metrô: Rio Rosas, Alonso Cano, Gregorio M. lagabinoteca.es
Serviço
Gastrofestival 2012: O festival anual que celebra a tradição gastronômica de Madri acontece de 23 de janeiro a 5 de fevereiro. Mais de 300 estabelecimentos (incluindo museus e galerias de arte) participam. Taperías como o Le Cabrera vão oferecer o combo tapa+cerveja por 3. Os restaurantes participantes terão cardápios especiais por 75. esmadrid.com/gastrofestival

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