sexta-feira, 15 de março de 2013

Pérolas do litoral lisboeta




Praia da Ribeira em Cascais: boa para ver o movimento, nem tanto para o banho
Foto: Bruno Agostini/O Globo
Praia da Ribeira em Cascais: boa para ver o movimento, nem tanto para o banho Bruno Agostini
CASCAIS — Verdade, Lisboa é uma cidade ribeirinha e não tem praia. Mas não é preciso mais do que 20 minutos de carro para se chegar ao Atlântico, com suas águas frias e límpidas. Para sul e para o oeste, não faltam passeios praianos. Do outro lado do Rio Tejo, cruzando a linda e moderna Ponte Vasco da Gama, ou passando pela linda e antiga Ponte 25 de Abril, encontramos a Península de Setúbal, e a sua rica produção de vinhos, os queijos de Azeitão, suas reservas naturais e as praias imaculadas, ainda que tão próximas de Lisboa. Seguindo na direção oeste, ao encontro do mar, como faziam as naus que desbravaram os oceanos, chegamos a Cascais e Estoril, as duas praias preferidas dos lisboetas, que são como parte da cidade. Nessa mesma região, Colares e Carcavelos são duas vilas que batizam vinhos históricos, tradicionais e únicos. Ali à beira-mar encontramos alguns dos melhores restaurantes de Portugal, como a Fortaleza do Guincho e sua vista fantástico para a praia repleta de surfistas, além de casas especializadas em servir frango assado na brasa com um molho apimentado de origem africana, o piri-piri. Porque uma das maiores virtudes de Lisboa como destino turístico, além de tudo o que a cidade já oferece, são as várias possibilidades de escapadas, servindo de base perfeita para se explorar os arredores: a capital portuguesa é um pedaço de terra cercado de delícias por todos os lados.
Cascais: Pescados, praias e pimentas
Pelas ruas de Cascais sentimos um irresistível aroma de churrasco. A brasa grelha franguinhos deliciosos, que são depois regados com o tradicional molho de pimenta piri-piri, além de outras carnes, com destaque para os peixes e frutos do mar, sempre fresquíssimos. Gastronomicamente falando, esse é o traço mais característico de Cascais. Bem no coração do centrinho histórico, o lugar mais interessante para se entregar aos prazeres da carne, seja ela vermelha ou branca, é no restaurante Casa Velha, que além do franguinho bem temperado, que consegue ser ao mesmo tempo tostadinho e com carne úmida, também serve outras iguarias terrestres muito típicas de Portugal, como as febras de porco e, para começar, as amêijoas à bulhões pato, os deliciosos mariscos preparados em molho de vinho branco, azeite, muito alho e cheiro-verde. Ainda melhores são os pescados, igualmente assados no calor da brasa, como o cherne, o robalo inteiro e o bacalhau servido à lagareiro, e os famosos camarões tigre de Moçambique.
Como tantas cidades turísticas lusitanas, um dia é tempo suficiente para visitar Cascais. Dá para sair cedinho de Lisboa, bater perna pelo simpático e miúdo centro histórico, pegar um solzinho e dar uns mergulhos na água fria e límpida de praias como a da Rainha, que era frequentada por D. Amélia, a última, derrubada pela revolução de 1908: pequenina e protegida, é uma delícia, desde que não esteja ocupada por grupos de jovens ingleses embriagados, o que lamentavelmente não é tão raro assim, já que esses estão entre os principais visitantes, ao lado de alemães.
Por conta da vista realmente privilegiada, e da boa comida, o restaurante e bar Baluarte está entre os endereços mais badalados. O melhor horário para fazer um brinde e petiscar por ali é mesmo no fim da tarde, para apreciar o pôr do sol saboreando uma cataplana de mariscos.
Mas vale a pena considerar passar uma noite por lá, especialmente se escolha de hospedagem recair sobre a Casa da Pérgola, um ícone da cidade, uma pousadinha cheia de charme, bem localizada e com um adorável jardim, a um passo das principais atrações, restaurantes e cafés.
Entre os que escolhem passar uma noite por lá, muitos estão interessados em tentar a sorte no Cassino Estoril, o maior de toda a Europa, que tem animados bares, restaurantes e uma boa programação de shows.
Sabores imperdíveis
O restaurante Fortaleza do Guincho, em Cascais, é endereço obrigatório em qualquer roteiro gastronômico pela região. Está entre os melhores restaurantes do país, com cardápio variado, serviço impecável em ambiente chique, com a vista fabulosa da Praia do Guincho, muito frequentada por surfistas. A cozinha não conquistou uma estrela Michelin à toa. O menu tem uma pegada francesa, com certa inspiração em ingredientes lusitanos, e assim nasceram receitas como o foie gras de Landes com chutney de figos e gengibre ao vinho do Porto. A carta de vinhos é impecável, e as sugestões do sommelier, certeiras. Perto dali, o Porto de Santa Maria serve pescados de excelência.
Colares e Carcavelos: Ao sabor de vinhos históricos
A especulação imobiliária no litoral sufocou duas das mais antigas e tradicionais denominações de vinhos em Portugal, Colares e Carcavelos. São duas áreas minúsculas de vinhedos, que quase acabaram, mas que hoje voltam a merecer a atenção dos apreciadores da bebida.
Em termos turísticos, Colares, aos pés da Serra de Sintra, e seus palácios, bosques e doces magníficos, é ligeiramente mais interessante. Mas, se falamos de vinhos, Carcavelos, cidade coladinha a Lisboa, quase dentro dos limites da capital, na área da foz do Rio Douro, vem recuperando mais rapidamente o seu prestígio que remonta ao século XVIII, quando era produzido pelo Marquês de Pombal, na Quinta de Oeiras.
Colares pode ser um complemento enófilo perfeito para um passeio pela Serra de Sintra. Além do vinho em questão há praias belíssimas, a oeste, e um bonito conjunto arquitetônico tipicamente português, com sobrados de fachadas azulejadas. Ali na pequenina e simpática cidade de Colares ainda encontramos algumas vinícolas abertas aos turistas, como a Adega Viúva Gomes, que funciona numa dessas construções antigas. Além de degustar alguns rótulos da casa, incluindo safras com alguma idade, como garrafas de 1996 e 1999, a visita revela histórias curiosas, como o fato de que esses foram um dos poucos vinhedos de toda a Europa que resistiram à praga da filoxera, no século XIX, que arrasou as plantações em todo o continente. Ali as videiras são plantadas na areia, o que impediu a invasão do inseto, de maneira que esses são um dos poucos vinhedos europeus plantados em pé-franco, ou seja, sem enxertos.
O litoral de Colares abriga algumas praias preciosas, como a da Adraga, uma das mais lindas da Europa, onde é praticado o nudismo, e as da vila de Azenhas do Mar, paisagem pitoresca, com casinhas debruçadas sobre o Atlântico, que merece atenção do viajante entre outras razões porque um jantar no restaurante que carrega o mesmo nome do lugarejo é um delicioso programa romântico que conjuga uma vista magnífica com uma comida idem: prove o caril de gambas, receita indo-lusitana (sim, caril vem de curry) e o lombo de lagosta com risoto de camarão e manjericão, ou uma açorda de mariscos, ou mesmo o polvo assado no carvão, que o cenário vai ficar ainda mais belo.
Mais que banhistas, Carcavelos seduz principalmente os enófilos. Esse vinho esteve mais ameaçado de extinção que o mico-leão-dourado, mas nos últimos anos a produção se estabilizou e três propriedades produzem a bebida histórica: as quintas dos Pesos, da Ribeira de Caparide e da Samarra. O Carcavelos, que teve fama mundial lá pelo ano de 1700, chamado Lisbon wine, é fortificado com aguardente, e apresenta características semelhantes às de um Madeira doce, com cerca de 19% de álcool, cor acastanhada e aromas de mel e frutos secos. Pode ser servido como aperitivo, e fica ótimo com queijos, ou sobremesa. Melhor provar dos dois modos, e em Carcavelos.
Setúbal: Moscatel, natureza e queijos
Bastariam o queijo de Azeitão, cremoso e de sabor intenso, e os vinhos feitos com a uva Moscatel Roxo, doces, ricos e espessos, para podermos classificar a Península de Setúbal, berço dessas duas maravilhas, como um lugar delicioso. Mas esse pedaço de terra quase todo envolvido por água — ora pelo rio Tejo, ora pelo Oceano Atlântico, ora pelo estuário do rio Sado — guarda outras preciosidades, tanto para os que buscam passeios ecológicos quanto para os que estão atrás de programas gastronômicos, e até para aqueles que só querem um lugar ao sol para refestelar-se na areia ou para os amantes das artes plásticas, da arquitetura e da botânica.
É possível visitar a região, ao sul de Lisboa, do outro lado do Tejo, em passeios de um dia, saindo pela manhã da capital, e retornando ao final do dia. Bom mesmo é dedicar alguns dias, para explorar com calma as praias entre a Costa da Caparica e a Lagoa de Albufeira, numa faixa litorânea de aproximadamente dez quilômetros, onde cabem famílias, grupos de amigos e casais em lua de mel. Mais ao sul, a Serra da Arrábida e o estuário do Rio Sado atraem turistas interessados em observação de pássaros e de animais terrestres e marinhos, como golfinhos e texugos, que vivem ali protegidos por unidades de conservação. Há lugarejos e vilinhas quase parados no tempo que convidam a programas tão diversos quanto passeios de barco e caça submarina, no lindo Portinho da Arrábida, até um passeio pela arquitetura e pela História de Palmela, marcada por um castelo de onde se tem uma vista maravilhosa. É uma cidadela medieval cercada de vinhedos por todos os lados, onde acontece uma famosa festa da vindima, em setembro.
A locomoção entre as cidades da Península de Setúbal não é fácil, de modo que é fundamental estar de carro, escolhendo como base as cidades de Palmela ou Setúbal, com maior infraestrutura e com boa localização para se percorrer os arredores.
Um dos locais mais visitados, e absolutamente indispensáveis, é a vinícola Quinta da Bacalhoa, que tem pelo menos dois endereços fundamentais: a sede, na Quinta da Bassaqueira, e o Palácio da Bacalhoa, propriedade histórica. Nos dois lugares o programa é muito mais do que pura enofilia, e é possível combinar as duas visitas, pagando € 10 (é preciso agendar pelo site).
Na visita à sede, rodeada por plantações de sobreiros, a árvore que dá origem à cortiça, há uma impressionante coleção de oliveiras, com mais de mil anos, com troncos impressionantemente grossos. Um imenso galpão modernista abriga a adega, onde estão armazenados milhares de barris de carvalho que amadurecem os vinhos da casa, o Moscatel de Setúbal e o Moscatel Roxo, uma raridade. Obras de arte, um jardim japonês e uma importante coleção de azulejos complementam o passeio.
SERVIÇO
Onde ficar
Casa da Pérgola: Diárias a partir de € 92. Avenida Valbom 13. Tel. (21) 484-0040. wonderfulland.com/pergola
Estalagem do Sado: Diárias a partir de € 100. Rua Irene Lisboa números 1 e 3, Setúbal. Tel. (26) 554-28 00. www.hoteldosado.com
Pousada de Palmela: Diárias a partir de € 98. Castelo de Palmela, Palmela. Tel. (21) 235-1226. pousadas.pt
Onde comer
Baluarte: Rua Tenente Valadim 46. Tel. (21) 486-5157. restbaluarte.com
Casa Velha: Avenida Valbom 1. Tel. (21) 483-2586. casavelha.atue.pt
Adega Viúva Gomes: Largo Comendador Gomes da Silva números 2 e 3. Almoçageme, Colares. Tel. (21) 929-0903. jlbaeta.com
Azenhas do Mar: Azenhas do Mar, Colares. Tel. (21) 928-0739. azenhasdomar.com
Quinta da Bacalhoa: Estrada Nacional 10, Vila Nogueira de Azeitão. Tel. (21) 219-8060. bacalhoa.com

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