sexta-feira, 15 de março de 2013

De frente para a cidade do Porto, os sabores de Vila Nova de Gaia



Vista do The Yeatman, em Vila Nova de Gaia, e, ao fundo, o Cais da Ribeira e a Cidade do Porto Foto: Bruno Agostini / O Globo


Vista do The Yeatman, em Vila Nova de Gaia, e, ao fundo, o Cais da Ribeira e a Cidade do Porto 
PORTO - Eu estava na doce companhia da Deise Novakoski, que sabe tudo de comes e bebes, cobrindo um congresso de vinhos na cidade do Porto - visitando ainda outras regiões, como o Douro e o Minho, e degustando muitas delícias portuguesas. Fugimos do grupo na hora do almoço por um motivo nobre: conhecer a principal novidade em termos hoteleiros e gastronômicos por essas bandas nos últimos anos. Pegamos um táxi e cerca de cinco minutos, e uns 6 euros depois, estávamos na entrada do elegante The Yeatman Oporto, no alto da Vila Nova de Gaia, com vista arrebatadora sobre os telhados dos armazéns que guardam o vinho fortificado, o Rio Douro e, ao fundo, o Cais da Ribeira. Lindo panorama para uma refeição. O hotel abriu as portas no fim do ano passado, com direito à presença do presidente português, Cavaco Silva. O prédio moderno custou 37 milhões de euros e foi construído nos domínios do grupo Taylor, Fladgate and Yeatman, que simplesmente produz alguns dos melhores vinhos do Porto.
Da piscina às camas em barricas, hotel gira em torno do vinho
Agora, o grupo Taylor, Fladgate and Yeatman mostra que também sabe fazer com perfeição restaurante e meio de hospedagem. Anunciamos ao elegante homem engravatado que nos recebeu à entrada do hotel, abrindo a porta do veículo, que queríamos almoçar.
- Vocês têm reserva?
Diante da nossa negativa, ele foi nos conduzindo pelo lobby em direção ao restaurante, que, para nossa sorte, não estava cheio. Havia apenas umas quatro ou cinco mesas ocupadas - o salão nem é tão grande assim - e nós pudemos pegar uma bem localizada, com vista privilegiada. Não aconselho o risco: melhor reservar um lugar (com vista, por favor).
Enquanto no jantar o menu degustação pode custar cerca de 200 euros (com vinhos), no almoço há fórmulas por preços a partir de 32 euros (sem vinhos). Fomos no menu de 65 euros, com seis etapas (sem contar os ótimos amuse bouche e mignardises). Foi um delírio. Com harmonização de vinhos, a conta ficou em cerca de 100 euros por pessoa: valeu demais a pena o investimento.
Logo que nos sentamos à mesa, o maître João Geraldes nos ofereceu a carta de vinhos, imensa, pesada e bonita, com capa de couro e letras douradas. Curioso é que ele estava, naquele dia, atuando como sommelier (escanção, como chamam em Portugal), cuidando do salão. Mas João, na verdade, é subchef do restaurante, e geralmente dá expediente junto ao fogão. Cozinheiro e sommelier? O cara deve entender das coisas, pensamos - sem falar que logo deu para perceber se tratar de um profissional dos mais competentes: poucas vezes na vida fui tão bem servido em um restaurante. Assim, preferimos pedir para ele mesmo conduzir a harmonização, ressaltando o nosso interesse por vinhos raros e diferentes, que foi atendido por ele.
- Nos entregamos ao simpático profissional que orquestrou magistralmente o almoço harmonizando cada prato com uma taça de vinho, que João fez questão de ser uma de cada região de Portugal, para que tivéssemos ideia da dimensão e variedade de vinhos daquele país. O ponto alto do almoço, além da comida e da vista, ficou por conta do serviço, atencioso e carinhoso que recebemos - lembra Deise.
Tudo começa com ótimos pães, servidos com azeite da melhor qualidade, manteiga e flor de sal. Em seguida, "As boas vindas do chef": primeiro, um trio de colheres com pequenos bocadinhos (uma salada de lagostins com caviar, um tartar de novilho e as ovas de ouriço com sardinhas e algas do mar). Em seguida, uma espécie de terrine, chamada coca, de atum e foie gras, servida com pó de azeitona e iogurte de ostras. Para acompanhar, um espumante "bruto".
Agradecidos com a oferta deliciosa do chef, o jovem Ricardo Costa, puxamos assunto sobre o gajo.
- Ele veio do hotel Casa da Calçada, em Amarante, onde conquistou uma estrela Michelin. Depois que ele saiu, o restaurante perdeu a honraria... - provoca João Geraldes.
Mas ele está equivocado: o restaurante Largo do Paço continua estrelado pelo guia. Quanto ao restaurante do Yeatman, posso me enganar, mas acho que ele vai ganhar mais uma estrelinha na próxima edição...
Em seguida, o rapaz continuou mostrando o seu talento em um menu de pegada contemporânea que mescla criatividade com referências clássicas. O chef tem técnica apurada, usa ingredientes de primeira qualidade e a apresentação dos pratos é extremamente cuidadosa. Foi sublime.
O primeiro prato "oficial" do cardápio foram as vieiras em creme queimado com azeite virgem e ouriços do mar, mikado de aipo bola, anchova e ar de citrinos, uma receita equilibrada e surpreendente. Depois vieram aspargos verdes em creme aveludado com tartar de tomates, lagostins ao vapor e azeite de crustáceos. O passo seguinte foi um pregado (uma espécie de linguado) selvagem com escamas de tomate tostado, arroz de enguias em vinho e ravióli de vegetais com molho de mexilhão com caril. Então veio o lombo de boi charolês selado com carvão vegetal, batata trufada, aspargos glaceados e os sucos da carne com anchovas. Palmas para o chef.
Hora dos doces: primeiro o queijo da serra fundido numa sopa tépida (morna) com doce de abóbora e pão de especiarias, tudo coroado com sorvete de Porto vintage. Antes das mignardises, ainda teve uma montagem de castanhas de Trás-os-Montes assadas com queijo da serra, iogurte de kumquats (uma laranjinha chinesa deliciosa), pão de nozes e gelado de toffee de cítrico. Tudo, do início ao fim, muito bem harmonizado pelo João Geraldes, que nos apresentou vinhos diferentes, como o Bical Passa Campolargo 2005, e clássicos, como o Porto Vintage Fonseca 1991 (engarrafado em 1993). Até o café, um expresso bem tirado.
Depois disso fomos embora, mas restou uma imensa vontade de ficar hospedado ali por uns dias. O hotel parece ser tão bom quanto o restaurante.
Tudo no Yeatman gira em torno do vinho. A piscina externa é em forma de decantador, algumas camas foram colocadas dentro de enormes barricas que antes armazenavam milhares de litros de porto, a adega é uma das mais impressionantes de Portugal e o spa, claro, é da Caudalie, marca mais importante do mundo quando o assunto é vinoterapia (no Brasil, o hotel da Miolo tem spa com a mesma assinatura).
Taylor's, uma casa de vinhos a serviço da rainha da Inglaterra
Animados com a experiência no restaurante do hotel Yeatman, no dia seguinte, fomos visitar e almoçar na Taylor's, uma das mais premiadas casas de vinho do Porto, a preferida da família real inglesa, uma das três marcas da Fladgate (as outras são Fonseca e Croft).
O restaurante Barão de Fladgate fica ao lado da loja e da sala de degustação, visitas obrigatórias antes da refeição. O lugar, com amplas áreas envidraçadas e uma agradável varanda, muito usada no verão, também apresenta um lindo panorama, parecido com o do hotel, mas um pouco mais baixo: seria menos impactante, mas a proximidade maior com a linda Ponte D. Luis compensa a descida.
O cardápio é legitimamente português, mas faz algumas concessões, como servir massas (tem linguine salteado com azeitonas, queijo feta e tomate-cereja, por exemplo) e pratos de baixa caloria (como pescada grelhada, batatinha cozida, legumes ao vapor), além de ter entradas com foie gras, por exemplo. Melhor mesmo é investir na lusofonia gastronômica, apostando em receitas de bacalhau, polvo, tamboril, borrego, lombinho de porco ou javali.
O couvert é servido com bons pães, azeitonas pretas e pedaços de queijo temperados com ervas e azeite, e esta etapa não deve ser ignorada. A seleção de entradas apresenta receitas interessantes, como perdiz com castanhas.
Há menus turísticos a 35 euros, com couvert, sopa de entrada, prato do dia e sobremesa, além de água (ou refrigerante) e café. A lista de pratos do dia é bastante interessante. Aos sábados, é servido o bacalhau com brandade de polvo e, aos domingos, uma famosa vitela barrosã (que não come ração e se alimenta livremente nos campos), assada lentamente durante cinco horas. A lista de sobremesas faz salivar, em receitas como mousse de requeijão da serra com noz e compota de abóbora ao molho de mel com laranja.
Teleférico liga Cais à Calçada da Serra em Vila Nova de Gaia
Um dos programas turísticos mais relevantes da Cidade do Porto não está exatamente na Cidade do Porto, mas em Vila Nova de Gaia, do outro lado do Rio Douro: são as visitas às caves que armazenam o vinho. É como ir a Roma e não... deixa pra lá.
Vila Nova de Gaia, aliás, acaba de ficar ainda mais interessante, com a inauguração de um teleférico com percurso de cerca de 700 metros que liga o Cais à calçada da Serra, com lindo panorama do lugar.
Mas o que mais importa ali é mesmo o vinho do Porto. No total, são cerca de 60 armazéns. Uma boa parte deles, uns 20, estão abertos aos turistas, e os programas são bem parecidos: um passeio pelo prédio, passando pelos salões que guardam os estoques de vinho, enquanto o guia conta a história da bebida e da própria vinícola. Há barricas imensas, com até 15 mil litros, com dezenas de anos de uso. As paredes destas antigas edificações muitas vezes são de pedra, contribuindo para criar condições climáticas perfeitas para o envelhecimento da bebida, que deve estar num lugar escuro e com pouca oscilação de temperatura: engraçado é perceber que, no verão, os armazéns estão mais frios que o exterior e, no inverno, mais quentes. No fim da visita, uma degustação que apresenta alguns dos diferentes estilos de Porto. Depois, como nos parques da Disney, uma visita à lojinha para comprar umas garrafas, acessórios e outras lembrancinhas.
Para os turistas mais práticos, mais interessados no passeio que na bebida propriamente, vale saber que boa parte desses armazéns está a poucos passos da ponte D. Luis I, a uma curta caminhada a partir do Cais da Ribeira, como a Cálem, a Sandeman, a Ramos PInto e a Quinta do Noval (esta última, uma das marcas de maior prestígio).
- Um grande vinho do Porto, como o Quinta do Noval Nacional 1963, é o máximo que uma uva pode dar - costuma dizer o consultor de vinhos Paulo Nicolay, um dos maiores especialistas do país no assunto.
Outra destas marcas emblemáticas é a Taylor's, que produz uma linha consistente, e mesmo os seus vinhos mais simples são de ótima qualidade.
- Temos o maior estoque de vinhos antigos, o que nos permite colocar no mercado vinhos do Porto mais evoluídos, com qualidade superior - diz, sem modéstia, mas coberto de razão, Fernando Seixas, gerente de exportação da marca.
A visita à cave da Taylor's revela curiosidades, como um mapa detalhados com os vários microclimas encontrados ao longo do Rio Douro, e a placa assinada por Fidel Castro, que deveria estar ao lado de várias outras de presidentes de vários países, que visitaram a Taylor's durante um encontro de chefes de Estado (a do Fernando Henrique Cardoso está lá).
- Encontrei a placa à venda no e-Bay por US$ 150 mil - lembra Fernando Seixas.
Para nós, brasileiros, uma das marcas mais familiares é a Adriano Ramos Pinto. A visita a esta cave, num belo casarão de paredes amarelas, é uma das mais interessantes, devido ao precioso acervo de objetos, gravuras e mobília. Os cartazes publicitários do começo do século passado, com imagens para lá de ousadas para o período, é um dos pontos altos da visita.
Aos interessados no vinho, ou não, também é fundamental uma visita ao Solar do Vinho do Porto, onde é possível degustar a bebida, aprender sobre e ainda apreciar a vista do Douro.
ONDE FICAR
The Yeatman: Inaugurado no fim do ano passado, tem um ótimo restaurante e vista arrebatadora para o Douro e a Cidade do Porto. Diárias a partir de 150 euros. Rua do Choupelo, Vila Nova de Gaia. Tel. (351) 220-133-100. www.the-yeatman-hotel.com
Pestana: Fica em um charmoso prédio antigo com localização estratégica, perto de grande parte das atrações. Diárias a partir de 156 euros. Praça da Ribeira 1. Tel. (351) 223-402-300. www.pestana.com
Tryp Porto Centro: Tem boa localização e preço, com quartos novos e confortáveis. Diárias a partir de 56 euros. Rua da Alegria 685. Tel. (351) 225-194-800. www.trypportocentro.com
ONDE COMER
The Yeatman: No almoço, tem menus a partir de 32 euros. Abriu no fim do ano e já é considerado um dos melhores da região. Cozinha de autor, contemporânea, com inspiração na cozinha clássica portuguesa. Carta de vinhos com 1.200 rótulos e serviço impecável. Rua do Choupelo, Vila Nova de Gaia. Tel. (351) 220-133-100. www.the-yeatman-hotel.com
Barão de Fladgate: Restaurante dentro da cave da Taylor's, com menu que mescla clássicos da cozinha portuguesa com receitas internacionais. Linda vista para o Rio Douro e a Cidade do Porto. Rua do Choupelo 250,Vila Nova de Gaia. Tel. (351) 223-742-800. www.tresseculos.pt
VINHO DO PORTO
No site Porto XXI (www.portoxxi.com), é possível encontrar a lista completa de caves abertas aos visitantes com informações sobre como chegar.
Solar do Vinho do Porto: Quinta da Macieirinha, Rua de Entre Quintas 220. Tel. (351) 226-094-749. www.ivdp.pt
Taylor's: Rua do Choupelo 250,Vila Nova de Gaia. Tel. (351) 223-742-800. www.taylor.pt
Quinta do Noval: Av. Diogo Leite 256. Tel. (351) 223-770-282.www.quintadonoval.com
Ferreira: Av. Ramos Pinto 70. Tel. (351) 223-746-107.

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