sexta-feira, 15 de março de 2013

A bordo dos bondinhos, uma Lisboa para viagem




Loja de artesanato na Rua Augusta, na Baixa, em Lisboa
Foto: Eduardo Maia / O Globo
Loja de artesanato na Rua Augusta, na Baixa, em Lisboa Eduardo Maia / O Globo

LISBOA - Eles são as grandes estrelas das ladeiras — e não são poucas — de Lisboa. Estão raramente vazios e sempre que passam entram na mira das lentes dos turistas. Que os bondes (ou “eléctricos”, como são chamados pelos locais) são a melhor forma de conhecer a insinuante capital portuguesa, não há dúvidas. O que a maioria não percebe é que os bondinhos amarelos também servem como ótimos guias para um roteiro de compras, inclusive por bairros menos frequentados por visitantes. As vitrines, aliás, são outra ótima forma de conhecer a cidade e ver como ela aponta para o futuro sem abrir mão de suas tradições.
Cobrindo o circuito mais turístico, e por isso mesmo o mais disputado das cinco linhas municipais, o Eléctrico 28 corta os bairros mais tradicionais. Na Graça, ele deixa pertinho do maior mercado de pulgas de Lisboa, a Feira da Ladra; na Baixa e no Chiado, passa em frente a algumas das lojas mais antigas e badaladas da capital, com incríveis vistas para o Rio Tejo como brinde.
Uma de suas paradas fica no bairro da Estrela, bucólico recanto residencial, já longe dos holofotes da maioria dos estrangeiros. Para vivenciar mesmo uma experiência alfacinha, o bonde 25 é a opção. Ele circula pelas ruas da Lapa, bem menos boêmia que a homônima carioca, mas que merece uma parada para conferir a reaberta A Mimosa da Lapa, uma mercearia do início do século passado que vende tanto produtos portugueses típicos como obras de arte. E também chega a Santos, área que vem sendo revitalizada com lojas de design e decoração.
Em Santos passam também os bondes 15 e 18, populares por serem a forma mais charmosa de se chegar a Belém. Mas desça um pouquinho antes, na estação do Calvário, para conhecer a LX Factory, um complexo de lojas e ateliês que funciona em antigas fábricas desativadas.
Design e arte renovam antigas galerias
Ao saltar do bonde 28 em frente à Basílica da Estrela, saquei meu mapinha surrado para encontrar a Rua Bela Vista à Lapa, para a surpresa dos moradores, não tão acostumados a turistas de mapa em punho por aquelas bandas. Levei alguns minutos dobrando esquinas até achar a pequena via onde está A Mimosa da Lapa, uma mercearia de bairro que passaria despercebida caso não fosse o motivo daquela viagem. A fachada sem muito destaque é um verdadeiro tesouro lisboeta.
Fundada em 1932 por Adão Dantas, lembrado na inscrição no armário original, e fechada nos anos 1990, a mercearia foi comprada por três amigos, vindos de áreas de atuação diversas, como moda e artes plásticas. Em 8 de dezembro reabriram o lugar, dividido em três ambientes. No primeiro, a reprodução fiel da loja original, com prateleiras, balcões, piso e balanças da época. Nas vitrines, só produtos portugueses, de quase todos os cantos do país.
— Por enquanto o único território que não está representado aqui é a Ilha da Madeira. Mas logo teremos alguma coisa de lá — diz um dos sócios, Gabriel Garcia, um açoriano que puxa sardinha para os produtos do arquipélago, como o queijo da ilha e a queijada da Graciosa, ao listar os destaques da casa.
Mas há outros, como a broa de batata do Piódão, a cerveja artesanal Sovina, produzida no Porto, e os rebuçados de ovos, do Alentejo. Nos fundos, fica uma galeria de arte, aberta a novos artistas portugueses, e as bicicletas vintage, outra paixão do trio, vendidas ali. Um terceiro ambiente é usado para workshops eventuais, como de olaria e gastronomia.
Gabriel e seus sócios esperam que a região passe pelo mesmo processo de revitalização que transformou o aristocrático bairro de Príncipe Real num dos pontos mais interessantes da cidade hoje em dia. Somadas às atrações que por si só já justificariam uma visita à região vizinha ao Chiado e ao Bairro Alto (o Jardim do Príncipe Real, o Jardim Botânico e o Museu de Ciência), lojas modernas vêm ocupando os imponentes palacetes do eixo principal, formado pelas ruas da Escola Politécnica e Dom Pedro V.
É o caso da nova butique do estilista português Nuno Gama, aberta ano passado. Há ainda lugares onde o orgulho luso é deixado de lado e até a campainha tem sotaque francês. Os macarons e croissants do bistrô Poison d’Amour já são famosos na cidade. Quem tiver saudades de Paris pode entrar também na Charcuteria Moy, uma delicatessen que reúne produtos de marcas francesas como Fauchon, e oferece ainda chás ingleses e vinhos italianos, por exemplo.
Entre as lojas mais ousadas do bairro está a Espaço B, com roupas minimalistas e acessórios chamativos, além de discos de artistas alternativos e livros de arte. Esse tipo de literatura também ocupa boa parte da vizinha Fabrico Infinito. Os livros, todos da editora Babel (que publica a obra de Fernando Pessoa), dividem espaço com objetos de design que fogem do comum. Uma das peças mais populares é umheadphone com duas conchas nas pontas. Se for com tempo, vale a pena curtir a vista do Lost In, restaurante com pegada vegetariana e influências orientais, anexo à loja homônima, que vende roupas e tecidos indianos.
Outro bairro tradicional de Lisboa que passa por um processo de revitalização via comércio é Santos, uma antiga zona industrial à beira do Tejo. Lojas de design e decoração, escritórios de arquitetura, escolas de comunicação, bares e restaurantes começaram a tomar conta de galpões e armazéns a partir de 2005, quando foi criado o Santos Design District. O empreendimento mais recente da área é a filial lisboeta da Roche Bobois, com peças de alguns dos mais conhecidos designers europeus. Há espaço também para empresários locais, como os que ocupam o pátio interno do número 3 do Largo Vitorino Damásio. O lugar, uma antiga marmoraria, foi transformado por pequenas lojas e escritórios em uma simpática vila, onde a floricultura, com sua janela elíptica e um café com jardim suspenso se destacam.
Seguindo pela margem do rio, a bordo dos bondes 15 ou 18, é possível chegar a um outro espaço industrial transformado, a LX Factory, no bairro de Alcântara. Em 2007 um conjunto de empreendimentos moderninhos foi instalado na área da antiga Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense, bem debaixo da Ponte 25 de Abril, a “Golden Gate portuguesa”. Para quem estiver interessado apenas em compras, o melhor dia para visitar é domingo, quando acontece o LX Market, que reúne, além dos lojistas do lugar, brechós e ateliês de outros pontos da cidade.
Amantes de música precisam fazer uma parada na Art’Orfeu Media, do selo português Orfeu. Seu forte é a canção popular portuguesa, sobretudo os cantores e compositores de protesto dos anos 1970, bastante em moda neste momento de crise. Está lá, por exemplo, toda a discografia remasterizada, relançada ao longo do ano passado pelo próprio selo, de José Afonso, autor de “Grândola Vila Morena”. A música foi o símbolo da Revolução dos Cravos e embalou milhares de pessoas na manifestação do dia 2 passado.
Livros sobre o movimento popular que derrubou a ditadura de Salazar e que jogam luz sobre a atual crise econômica europeia também estão em destaque logo na entrada da Ler Devagar. Mas você dificilmente notará isso de cara. Culpa do visual impactante da livraria. Instalada na antiga Gráfica Mirandela em Alcântara, a loja tem livros de cima a baixo e um café que reutiliza a antiga prensa central. Esculturas suspensas, de ciclistas voadores, tornam o lugar ainda mais surreal.
Todo tipo de lembrancinha
Postais com bondinhos, “camisolas” da seleção portuguesa, torres de Belém em miniatura. Nos bairros mais turísticos de Lisboa, as lojinhas de suvenires se enfileiram em busca de turistas apressados. Mas dá para levar para casa lembranças mais autênticas da cidade.
No Chiado fica a rua comercial mais famosa de Lisboa, a elegante Garrett, cheia de estabelecimentos badalados. O Café A Brasileira e sua popular estátua de Fernando Pessoa estão lá, assim como a ourivesaria Aliança (agora da rede Tous) e seu aspecto de casa de bonecas, e a livraria Bertrand, a mais antiga do mundo, aberta em 1732. É impossível não comprar um livro no mesmo local em que Fernando, em pessoa, atualizava sua biblioteca.
Mas a loja que dá uma verdadeira aula de história lusitana está na reservada Rua Anchieta. Com o sugestivo nome de A Vida Portuguesa, a casa é obra da jornalista Catarina Portas, que descobriu uma forma de contar histórias do cotidiano do país através de produtos tradicionalíssimos, de pastas de dente a atum enlatado. Para a maioria dos brasileiros, as referências podem não significar muito, mas é engraçado observar a reação de portugueses relembrando a infância e mostrando aos filhos e netos como se fazia a barba ou como se cozinhava “naqueles tempos”. A perfumaria da casa faz sucesso entre os turistas, assim como as andorinhas de cerâmica da fábrica Bordalo Pinheiro.
Um dos produtos vendidos é a conserva de peixes Tricana, marca tradicional que não se encontra em muitos lugares. Para comprar direto da fonte é preciso ir até a Rua dos Bacalhoeiros, na fronteira da Baixa com a Alfama, onde funciona a Conserveira de Lisboa, fundada em 1930 e dona da Tricana e de mais duas marcas de conservas: Minor e Prata do Mar. A casa é parada obrigatória para gourmets, portugueses ou não. Tudo ali respira ares do passado, do mobiliário ao desenho vintage das embalagens, passando pelos funcionários. Num cantinho, rotulando pacientemente as latinhas, uma senhora explica que os turistas geralmente se interessam pelas conservas de bacalhau e sardinha, sabores tipo exportação do país. Mas que, na opinião dela, as conservas de cavala vivem uma fase melhor. No total são mais de 80 sabores.
Dobrando a esquina e subindo a Rua da Madalena está a Santos Ofícios, que desde 1995 se dedica exclusivamente à arte popular de diversos pontos do país. O artesanato vendido ali foge do óbvio oferecido em outras lojas do tipo com obras garimpadas nas mais longínquas aldeias do interior de Portugal. Há peças caríssimas, é verdade, mas muitas são mais acessíveis que suvenires baratos e pouco originais.
Também na Rua dos Bacalhoeiros, ao lado da Casa dos Bicos, onde funciona a Fundação José Saramago, a Loja dos Descobrimentos atrai por seus azulejos de todos os tipos e tamanhos. Paisagens da cidade, natureza, figuras humanas e desenhos abstratos ganham vida nas placas de cerâmica, muitas pintadas pela proprietária. Ela, que pode ser vista trabalhando na loja durante o dia, também ministra cursos de pintura.
Se você acha que voltar de Portugal sem um Galo de Barcelos, o suvenir mais típico do país, não tem graça, uma dica é a Amar Lisboa, no Campo das Cebolas, aberta ano passado. Lá os ícones portugueses ganham nova roupagem, como os galinhos em cores vivas e estampas pouco usuais, como o calçamento ondulado do Rossio (que inspirou o de Copacabana). Camisetas bem-humoradas exploram o rosto de Pessoa, os bondes e o fado, e bolsas e pulseiras de cortiça mostram usos pouco comuns desse material que tem Portugal como principal produtor. Prova de que, mesmo nas lojas mais modernas, a nostalgia é o melhor suvenir desta terra.
SERVIÇO:
A Mimosa da Lapa: Rua Bela Vista à Lapa 94. Fecha segunda.amimosadalapa.pt.
Poison d’Amour: Rua da Escola Politécnica 32. Fecha segunda.
Charcutaria Moy: Rua D. Pedro V 111. Diariamente.
Espaço B: Rua D. Pedro V 120. Fecha domingo. espaco-b.com.
Fabrico Infinito: Rua D. Pedro V 74. fabricoinfinito.wordpress.com.
Santos District Design: As lojas da associação estão listadas emsantosdesigndistrict.com.
LX Factory: Rua Rodrigues de Faria 103. lxfactory.com.
Livraria Bertrand: Rua Garrett 73. bertrand.pt.
A Vida Portuguesa: Rua Anchieta 11. Fechada aos domingos.avidaportuguesa.com.
Conserveira de Lisboa: Rua Bacalhoeiros 34. Fecha domingo.conserveiradelisboa.pt.
Santos Ofícios: Rua da Madalena 87. Fecha domingo. santosoficios-artesanato.pt.
Loja dos Descobrimentos: Rua dos Bacalhoeiros 12. Diariamente. loja-descobrimentos.com
Amar Lisboa: Campo das Cebolas 44. Diariamente. dsc.com.pt.

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