terça-feira, 12 de outubro de 2010

O ficcionista Eça de Queirós



“Eça de Queirós é um autor encantado porque nos faz rir e chorar. É cáustico, crítico, diz o que quer, quando quer”. Foi assim que Cleonice Berardinelli, professora emérita da PUC-Rio e da UFRJ e membro da Academia Brasileira de Letras, definiu o escritor lusitano. 


Cleonice relembrou o lado romântico do autor realista,  a crítica ácida presente em “O Crime do Padre Amaro” e em “Primo Basílio” e evidenciou – com pesar – os equívocos da crítica de Machado de Assis à obra do autor luso.


Por trás do Eça de Queirós realista, há um começo romântico.  Os “momentos enternecidos” de Eça, particularmente evidentes na coletânea “Prosas Bárbaras”, parecem ainda mais claros na voz poética – quase teatral – de Berardinelli ao recitar excertos da obra. As aliterações e repetições dão um tom quase musical à prosa do autor lusófono, evidenciando a influência do poeta francês Charles Baudelaire – bem como o mais discreto lado romântico de um autor conhecido pela crítica contínua à sociedade.


Esse realismo duro, que “costura coisas terríveis em sua pequenez”, fica visível nos romances “O Crime do Padre Amaro” e “Primo Basílio”, ambos muito críticos em essência.  Em “O Crime do Padre Amaro”, seu primeiro romance existencialista, a descrição vívida de cenas fortes se junta à natureza quase sórdida do personagem principal para materializar uma crítica social e cultural . O romance – que gira em torno de um padre que mantém relações sexuais com uma jovem e termina por engravidá-la – teve várias versões até chegar ao final conhecido – “diluído” em relação ao original, porém longe de feliz.


Sobre “O Crime do Padre Amaro”, Berardinelli evidencia uma injustiça histórica: o livro escrito pelo autor lusitano foi equivocadamente comparado a “Le crime de l’Abbé Mouret” (traduzido como “O Crime do Padre Mouret”), de Emile Zolat.  Essas supostas semelhanças, pontua a professora, são casuais e restritas: limitam-se ao títulos similares e ao fato de ambos os protagonistas serem padres.


A comparação equivocada, muito difundida por Machado de Assis em suas críticas literárias, foi amplamente criticada pela professora, que leu trechos tanto da própria crítica machadiana à Eça quanto da resposta sarcástica, bem humorada e elegante do autor lusitano.  Demonstrando pesar pelo equívoco do “Bruxo do Cosme Velho” , Berardelli especula, com um suspiro: “a impressão que me dá é que Machado de Assis não leu o livro…”


A crítica de Machado se estende a outros aspectos da obra do português: inclusive o realismo cru presente em ambos “O Crime do Padre Amaro” e “Primo Basílio”. O segundo romance, que gira em torno de uma jovem burguesa entediada com a vida doméstica,  tem como cerne a crítica à sociedade da época, com personagens como o bon vivant Basílio, a recalcada empregada Juliana e a adúltera Leopoldina funcionando como bastiões da burguesia fútil e ociosa.  O desfecho cético e “insensível”, representado pela indiferença de Basílio em relação à morte da amante Luísa, na visão do notoriamente ético Machado de Assis, “não ensina”.



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