sexta-feira, 1 de abril de 2011

Flores e sabores da primavera em Amsterdã



Barcos e canais: cenário típico de Amsterdã / Foto: Bruno Agostini
Amsterdã é linda mesmo no inverno, com os seus dias curtos, céu cinzento e frio cortante. Mas a chegada da primavera é saudada com grande entusiasmo, porque há poucos lugares no mundo que sejam tão floridos como a Holanda. A tulipa é o principal símbolo do país, superando canais, moinhos e tamancos. Jardinagem é coisa séria, e parte da beleza de Amsterdã vem justamente das flores que, a partir deste mês, estão por toda parte. Basta uma pequena área de terra para se criar um jardim. O auge dessa celebração da primavera são os jardins de tulipas do Keukenhof, um jardim botânico nos arredores da cidade, que vira uma festa até o fim de maio. A programação cultural não deixa por menos. O país que trouxe ao mundo tantos mestres da pintura homenageia Pablo Picasso, com uma mostra no Museu Van Gogh. E é também quando o tempo esquenta que os chefs de cozinha abrem um sorriso, vislumbrando a chegada de novos peixes, ervas frescas, frutas, legumes e vegetais que colorem suas receitas - autênticas obras de arte.
Disneylândia das tulipas apresenta seu jardim filosófico
Em um país que cultua as tulipas como emblema patriótico, um símbolo da nação, a inauguração anual dos jardins floridos com essa espécie ganha ares de abertura de Olimpíadas. Tem até contagem regressiva, marcando os dias que faltam para a grande data. Nesta temporada,Keukenhof , que tem ganhando muitas menções, comentários e galerias de imagens nas redes sociais, abriu as portas para o público apreciar os seus campos multicoloridos no dia 24 de março, e o espetáculo das flores fica em cartaz até 20 de maio. É o tipo do programa que vale - e muito - uma viagem.
Bulbos de tulipas e flores diversas estão por toda parte e colorem as ruas de Amsterdã / Foto: Bruno Agostini
Keukenhof se autodefine como "o mais bonito jardim primaveril do mundo", e nem é preciso conhecer outros para acreditar na expressão. Não há nada igual. Uma única tulipa, mesmo sozinha e isolada de contexto, já é de uma beleza rara. Imagine 4,5 milhões delas reunidas, com cerca de cem variedades diferentes, o que garante uma imensa gama de tonalidades, e dispostas em composições cromáticas as mais diversas.
O tema da exposição deste ano é "Alemanha, terra de poetas e filósofos", numa demonstração de que, além de lindos, os jardins também podem ser inteligentes. Um dos destaques da mostra é o mosaico de flores reproduzindo o Portão de Brandemburgo, cartão-postal de Berlim. Outro ponto alto da programação desta festa primaveril acontece no próximo dia 16, com a Parada das Flores, a mais famosa da Holanda. O desfile percorre um trajeto de 40 quilômetros, com carros alegóricos diversos coloridos por milhares de flores.
Mesmo que as tulipas sejam as estrelas em Keukenhof, há coadjuvantes a altura, como os lírios. Entre os dias 12 e 20 de maio, um dos pavilhões do parque receberá uma mostra com 300 variedades dessa flor. Em outro, o destaque são orquídeas, bromélias e antúrios. Um terceiro pavilhão abriga cerca de 80 mil tulipas, que não poderiam faltar, de 600 variedades diferentes, além de mais de uma centena de espécies de narcisos. Outro desses pavilhões apresenta uma mostra com o tema "Holanda-Alemanha: uma experiência iluminando os muitos laços que unem ambos os países".
São 15 quilômetros de caminhos pavimentados, que permitem aos visitantes percorrerem toda a mostra. Além das flores, enfeitam o percurso diversas pontes, esculturas e chafarizes. Uma visita ao parque é programa de um dia inteiro e, para isso, há cinco restaurantes, além de seis lojas de suvenires e outras três que vendem bulbos. É praticamente uma Disneylândia das flores.
Tulipas por toda parte: a primavera chegou em Amsterdã / Foto: Bruno Agostini
A tradição dos jardins de primavera em Keukenhof teve início em 1949, quando um grupo de produtores de flores e apreciadores resolveu criar uma exposição que pudesse ser uma espécie de vitrine desta importante indústria para a Holanda. O resultado é que Keukenhof se transformou em uma das principais atrações do país, já tendo recebido, nos seus 61 anos de funcionamento, mais de 51 milhões de visitantes, uma marca impressionante.
O jardim botânico fica em Lisse, a cerca de 35 quilômetros de Amsterdã, e há ônibus partindo do aeroporto de Schiphol para lá, numa viagem de cerca de 40 minutos. No total, somando o trem até o terminal aeroviário, demora-se cerca de uma hora e meia para sair do centro de Amsterdã e chegar em Keukenhof.
O jardim é a mais expressiva das atrações holandesas ligadas à floricultura, mas há muitas outras. Em Amsterdã, um dos principais pontos de referência da cidade é o Bloemenmarkt, pertinho da Munttoren e da Rembrandtplein. Este pitoresco mercado flutuante de flores teve origem numa época em que os produtores chegavam a Amsterdã de barco e vendiam a sua mercadoria ali mesmo, retornando para suas cidades no fim do dia. Hoje as embarcações são fixas e até parecem lojas comuns: além das flores em buquês, e dos bulbos para serem plantados, é possível comprar material de jardinagem, sementes e suvenires (relacionados às flores, claro).
Os muito interessados em tulipas também podem agendar uma visita ao FloraHolland , em Aalsmeer, onde diariamente são leiloadas milhões de flores, despachadas imediatamente para todo o planeta. O lugar está aberto às visitas de segunda à sexta-feira, das 7h às 11h.
Van Gogh recebe Picasso para a temporadaMuseu Van Gogh exibe obras da produção de Pablo Picasso em Paris: mostra de primavera em Amsterdã / Foto: Bruno Agostini
Museu Van Gogh é um dos programas indispensáveis em Amsterdã em qualquer época do ano. Mas quando está em cartaz na área para mostras temporárias uma exposição como "Picasso em Paris: 1900-1907", com grande parte da intensa produção do espanhol no período em que viveu na capital francesa, não dá para deixar de ir.
Estão reunidas ali algumas das mais famosas telas do artista, como o autorretrato que ilustra o cartaz da mostra (na foto acima), e várias pinturas de sua famosa fase azul. A exposição termina dia 29 de maio, quando segue para o Museu Picasso, em Barcelona (lá acontece de 1º de julho a 16 de outubro).
Construído em 1973, o Museu Van Gogh tem a medida exata para um turista com pouco tempo disponível. Há o rico acervo, que além de quadros do pintor holandês também traz trabalhos de artistas contemporâneos a ele, e pode ser visitado de maneira rápida, em pouco mais de uma hora, ao contrário do fabuloso Rijksmuseum , imenso, que exige pelo menos uma tarde dedicada somente a suas galerias. Elas abrigam o acervo nacional do país, com peças de valor histórico, esculturas e quadros, como a "Ronda noturna", uma das pinturas mais representativas de Rembradt. Atualmente o museu está em obras, com visitação limitada, mas as principais peças estão em exposição. A reabertura está prevista para 2013. O museu tem ainda uma filial no aeroporto de Schiphol, onde está em cartaz até setembro uma mostra com quadros de flores.
A fachada do Rijksmuseum, em Amsterdã, que tem o mais valioso acervo da Holanda, entre obras de arte e objetos históricos / Foto: Bruno Agostini
O Van Gogh e o Rijksmuseum ficam na Museumplein, uma praça que abriga também outros centros culturais da cidade, como o Museu Stedelijk , voltado à arte moderna, com quadros de Picasso, Mondrian, Monet, Matisse, além de fotografias de Man Ray e até móveis, vídeos e outras manifestações artísticas mais recentes.
Além dos museus, digamos, convencionais, Amsterdã tem muitos outros bastante curiosos, como o Erótico, no Bairro da Luz Vermelha (onde mais?), o dedicado à maconha, o das tulipas e o Houseboat Museum, que mostra como é viver num dos famosos barcos usados como residência nos canais da cidade.
Outra atração que figura nas listas de passeios imperdíveis na cidade é a Casa de Anne Frank . O local onde a jovem morava tem sempre fila na porta. Ali ela se escondeu dos nazistas até ser capturada, e escreveu o famoso diário em um quarto secreto, com acesso por uma estante giratória. Arrepiante, só de passar na porta.
Frescor das flores e das ervas da estação temperam a mesa
Não é só a paisagem que muda bastante em Amsterdã quando a primavera começa. E também não é apenas nos jardins que as plantas encantam quando passa o rigoroso inverno. A culinária ganha novos ingredientes sazonais e as ervas, folhas e flores da estação enfeitam e temperam receitas mais leves, com peixes menos gordos e mais vegetais. Para a harmoniosa combinação dos peixes típicos da Holanda com os ingredientes disponíveis na temporada, um dos melhores endereços é o restaurante Bridges , no hotel The Grand, da rede francesa Sofitel .
Tulipas enfeitam a mesa do restaurante Bridges, no hotel The Grand Sofitel, em Amsterdã / Foto: Bruno Agostini
- Depois de cinco meses de inverno, todo mundo quer as cores, o frescor e os perfumes da primavera. No mês de abril apresentamos um novo menu, com aspargos, cogumelos e flores - diz o chef francês Aurélien Poirot, que comanda a cozinha da casa.
O restaurante é especializado em peixes e frutos do mar tradicionais da Holanda. Moluscos são coisa séria: comi em Amsterdã algumas das melhores ostras, vieiras e mexilhões que já experimentei. As verduras e os legumes também quase sempre são de produção local, mas o Bridges não chega a ser um restaurante típico, porque ali essa matéria-prima ganha um acabamento afrancesado, como manda a tradição dessa rede de hotéis.
Para valorizar ainda mais o frescor dos ingredientes o raw bar serve ostras cruas, sanduíches de lagosta, tartares de peixe... Foi justamente um tartar de atum que deu início ao meu almoço, logo após receber pães quentinhos, manteiga e um pratinho com vieiras em flor de sal e o amuse bouche, uma delicada mousse de pepino com hortelã. O peixe cortado finamente e temperado com sutileza tinha uma espécie de maionese caseira de wasabi, além de gergelim e uma ervinha típica do país, algo entre a sálvia e a rúcula. Com uma taça de champanhe, o começo da refeição ficou ainda melhor.
Caviar e lâminas de ouro decoram o olho-de-boi no menu degustação do restaurante Bridges, em Amsterdã / Foto: Bruno Agostini
Havia pedido um menu degustação harmonizado com vinhos, que tinha outros quatro pratos, além da sobremesa. Para acompanhar a sopa fria de ervilhas com peixe marinado (o mackerel, da família da nossa cavala) e umas folhinhas vermelhas, o sommelier me apresentou ao primeiro vinho holandês que experimentei, o Apostelhoeve Pinot Gris 2009. A brincadeira ficou ainda mais séria quando ele trouxe uma garrafa de Chasse-Spleen, um dos grandes brancos de Bordeaux. Esse vinhaço ganhou pratos à altura, delicados e pungentes, assim como ele.
Primeiro me foi servido um atum da espécie "rabo-amarelo" com vitelo tonnato, noodles e raiz-forte, que precedeu o delicioso peixe olho-de-boi cortado finamente servido com um vinagrete de tomate e sudashi (um limãozinho japonês) com tangerina, folhas de aipo, montagem coroada com caviar e lâminas de ouro comestíveis.
Mas o melhor prato da tarde foi o último, um tamboril escandalosamente fresco e saboroso, servido com mexilhões idem, favas, ervinhas, uma massinha tipo concha e cogumelos, dispostos sobre um caldo aromático, um daqueles pratos que deixam uma imensa saudade quando terminam. Depois, o vinho doce espanhol escoltou a sobremesa: crumble de maçã com sorvete de nozes, mousse de mel e maçã verde e merengue.
Alma holandesa na comida típica das ruasArenque marinado com salada de maçã e beterraba, no restaurante De Roode Leeuw, em Amsterdã / Foto: Bruno Agostini
Para ter uma experiência da autêntica cozinha holandesa, uma das opções mais simpáticas é parar nas barraquinhas de arenque (herrings), que estão por toda a cidade. Outra delícia encontrada em toda parte são os croquetes da rede Febo. Custam 1 euro e ficam expostos em gavetinhas aquecidas de vidro. Basta colocar a moedinha e pegar o seu lanche, que é incrivelmente saboroso, com recheio cremoso e casquinha crocante. Tanto o arenque como os croquetes são indispensáveis para saborear a alma holandesa mais típica.
Para fazer isso com mais elegância, o melhor é seguir para o classudo restaurante De Roode Leeuw , praticamente na praça Dam, coração da cidade. O salão, com muita madeira, tem carpete vermelho e cadeiras com tecidos da mesma cor, algo meio kitsch. Pedi uma cerveja, seguida pelo "hollandse haring met appel", um arenque holandês com salada de maçã e beterraba, servido com pão preto. Delicioso, ainda mais na companhia de um copinho de Jenever, o destilado de cereais típico da Holanda, aromatizado com zimbro, a melhor companhia para peixes marinados do gênero. Quem visita o lugar entre maio e junho não pode deixar de pedir os famosos aspargos holandeses.
Goudas à porta da loja Henri Willing, em Amsterdã / Foto: Bruno Agostini
Outro traço característico da gastronomia de Amsterdã é a profusão de restaurantes asiáticos, tradição inaugurada com os endereços indonésios, já que o país foi colonizado pela Holanda. Hoje há mais tailandeses do que indonésios (e também há bons endereços vietnamitas e do norte da África, como casas etíopes). Um lugar certeiro para uma refeição indonésia é oBlauw , perto do Vondelpark. E para apreciar os sabores da China, cada vez mais populares por lá, o melhor é seguir para o New King , em plena Chinatown, que serve receitas clássicas do país, com destaque para os pescados: a ostra e a vieira ao forno são sublimes.
E se você gosta de gouda, edam e de outros queijos holandeses, prepare-se para perder a cabeça quando estiver no país. Há uma enorme diversidade de queijos cujos sabores e texturas variam de acordo o tempo de maturação, que pode ser de apenas um mês até mais de três anos. Os mais jovens são cremosos e, conforme envelhecem, vão ganhando consistência mais rígida - alguns ganham temperos, como cominho e cravo, além de ervas e alho.
Um dos bons lugares para averiguar os laticínios holandeses são as filiais do Albert Heijn, tradicional rede de supermercados do país. Mas, para ter um atendimento mais atento, o melhor é buscar casas especializadas, como a Henri Willig, que produz seus queijos e tem loja junto ao mercado flutuante das flores, o Bloemenmarkt, no Canal Singel.
Nos canais de Amsterdã, um barco para chamar de seuBarco-residencial num dos canais de Amsterdã / Foto: Bruno Agostini
Amsterdã é uma cidade com vários ótimos hotéis, como o The Grand e o Okura . Mas, se há um lugar no mundo onde alugar uma casa, faz todo o sentido, esse lugar é Amsterdã. Quer dizer, não exatamente uma casa, mas, um barco daqueles que servem de residência. Não há, na cidade, um cinco estrelas que possa ser mais charmoso do que isso.
Basta escolher qual é o canal que mais tem a ver com você. Os preços são atraentes, e dá para conseguir um bom lar flutuante por a partir de 100 euros a noite, em acomodação para casal, com sala, quarto, banheiro, cozinha equipada e até um terracinho, com plantas e mesinhas para um café ao ar livre. Em maio, por exemplo, dá para ir à feira comprar aspargos e outros ingredientes da estação para preparar em casa. Não faltam sites dedicados ao aluguel de casas deste tipo, como o Houseboat Hotel , o House Boat For Rent Amsterdam , o Amsterdam Houseboat Rentals e o Amsterdam House .
Já houve um tempo em que Amsterdã tinha vários hotéis flutuantes. Hoje resta apenas o Amstel Botel, atualmente ancorado quase em frente à Centraal Station, do outro lado do canal, com diárias a partir de 59 euros. É um pouco fora de mão em termos de localização, mas tem o seu charme. E também é possível até encontrar um bed & breakfast num barco desses, como oPhilDutch .
Cama e café: no Chic and Basic, acomodações com conforto e ótima localização / Foto: Bruno Agostini
Falando em B&B, há vários deles em Amsterdã, visto que a cidade é uma das mais frequentadas por jovens do mundo inteiro. Hospedei-me no Chic & Basic , uma pequena rede de hotéis voltados para este público. Pelo preço (cerca de 80 euros por noite) e pela localização (a cerca de dez minutos caminhando da Centraal Station, o ramal de trens que qualquer turista vai usar pelo menos duas vezes: ao chegar e voltar ao aeroporto), é uma ótima opção de hospedagem. Mais pela cama (os quartos são espaçosos e confortáveis, com banheiro privativo, televisão, internet sem fio e, em alguns casos, até um terracinho) do que pelo café da manhã (somente café, pão, manteiga e geleia). Neste caso, é melhor comer na rua.
Para os viajantes interessados em design, o Lloyd Hotel é uma das mais modernas possibilidades de hospedagem, queridinho de publicações como "Time Out" e "Wallpaper". O restaurante é ótimo, e vale uma visita, só não esqueça de fazer a reserva.
Se a ideia é ter um hotel mais exclusivo e cheio de charme, o Seven One Seven , uma discreta casa de tijolinhos na Prinsengracht, é a melhor pedida. São apenas oito quartos, amplos e com decoração de extremo bom gosto, um recanto perfeito para casais em busca de atendimento exclusivo e privacidade. É preciso reservar com alguma antecedência, já que vive lotado, apesar das diárias custarem a partir de 350 euros.
Para uma hospedagem com alguma História, com agá maiúsculo, há o tradicionalíssimo De l'Europe , inaugurado em 1896, que merece pelo menos uma visita. Nem que seja só para jantar no restaurante francês, o Bord'Eau - ou então tomar um drinque no bar, o Freddy's. Pura aristocracia, no melhor sentido.

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