quarta-feira, 9 de maio de 2012

Havana, em Cuba, respira uma crescente renovação




Malecón, bairro de Havana, ao pôr do sol
Foto: Flávia Milhorance / O Globo
Malecón, bairro de Havana, ao pôr do solFLÁVIA MILHORANCE / O GLOBO

HAVANA - Do alto do memorial José Martí, Havana parece ilhada no passado: predominam carros antigos e a arquitetura colonial degradada, sem sequer um arranha-céu. É preciso caminhar pelas vielas para notar a crescente renovação de prédios e praças de Havana Velha, que são revitalizados e oferecem charmosos cafés e restaurantes. Os paladares — negócios privados liberados ano passado — se multiplicam. A cidade de clima convidativo até no inverno é contornada pela Baía de Havana, salpicada por montes e dominada pela planície. Moradores se apropriam intensamente do espaço público: instalam varais e cadeiras nas calçadas; crianças astutas saem às ruas à tarde do colégio, de uniformes branco e vinho, e logo estão pelos campos improvisados de beisebol. No pôr do sol, a orla do Malecón é tomada por pescadores, músicos de salsa e garrafas de rum. Particularmente coloridas são as roupas do havaneiro e o seu sorriso para o turista. Para as lentes de uns, o foco está no heroísmo dos líderes que fincaram a bandeira socialista no paraíso tropical. Para as de outros, a ditadura opressora. Um dos aspectos apaixonantes é que Havana divide opiniões, aflora os sentidos. Só não é possível lhe ser indiferente.
Havana Velha se renova em bares, restaurantes e casarões
Caminhar pelas ruas de Havana Velha é a melhor forma de notar a revitalização da cidade, pois é onde estão casarões e praças recém-restaurados, com empreendimentos estruturados para agradar aos turistas. Bom exemplo disto é a Praça Velha que deveria voltar a chamar-se Praça Nova, como em sua construção, datada de 1559. Patrimônio mundial da Unesco, a praça tem prédios de estilos dos séculos XVII a XIX. No século XVI, era palco para a celebração de festas e atos solenes; no XIX, foi tomada por um mercado. No século XX, viveu o ostracismo após a construção de um estacionamento subterrâneo, mas sua recente revitalização dá notoriedade aos restaurantes e bares.
Já a Praça da Catedral tem duas preciosidades de Havana. Uma, como o próprio nome diz, é a Catedral de San Cristóbal, que nas palavras do romancista cubano Alejo Carpentier, é "música convertida em pedra", dada sua estrutura de pedra em estilo barroco, erguida no século XVIII por jesuítas, e que se destaca por suas torres assimétricas.
Outra joia é o restaurante El Patio, instalado sob arcos de um palacete também barroco. Muitos dos turistas que visitam a praça ocupam as mesinhas com guarda-sóis do restaurante. Outros, simplesmente sentam nas calçadas para tomar sol, ouvir música, ler ou não fazer nada. Ali, é possível pedir a típica vaca frita, que é um filé de carne bovina, e juntá-lo com moros y cristianos — arroz e feijão preto, já misturados. Os camarões e as lagostas têm preços atraentes para brasileiros. Neste restaurante, o enchilado de lagosta, uma espécie de refogado de molho de tomate e condimentos, custa 14 CUCs (em torno de R$ 27). No entanto, não se anime tanto com a culinária cubana. Para tudo em Havana há o tal enchilado, que consegue pasteurizar até o sabor da nobre lagosta.
Os restaurantes, inclusive os mais sofisticados, têm que lidar com a escassez de alimentos enfrentada pela ilha. É comum ter que se contentar com a quinta escolha na sua hierarquia de opções de pratos. Às vezes é mais fácil e simpático perguntar: "O que temos para hoje?".
O que nunca falta em Havana é o mojito, coquetel à base de rum branco, limão, hortelã, açúcar e água tônica. O mojito está para Cuba assim como a caipirinha está para o Brasil. É impossível evitá-lo, nem que seja uma vez ao dia. A bebida é listada com frequência nos cardápios. Na Rua Obispo, onde está a maioria dos restaurantes de Havana Velha, encontra-se uma oferta de prato principal, sobremesa e mojito por 10 CUCs. Fechada ao tráfego de veículos, a rua tem intensa movimentação de cubanos e estrangeiros, por abrigar não apenas os restaurantes, como hotéis, bancos (para câmbio), centrais telefônicas e comércio. Uma boa opção é hospedar-se por ali.
Nas extremidades da Obispo, de um lado está a Praça de Armas, a primeira praça pública de Havana, construída no século XVI, e também restaurada. Além do Castelo da Real Força de Diego Quiñones, o que chama a atenção na praça é a ocupação do espaço por um feira de livros usados. Textos sobre a Revolução Cubana estão entre os mais populares.
Na outra extremidade da Obispo, encontra-se o Parque Central, onde carruagens, táxis — formais e tuc-tucs — e carros anos 1950 dão ao cenário um clima de viagem no tempo. Próximo, na Rua Indústria, ainda está a tradicional Fábrica de Tabacos Partagás, cujo prédio, um impressionante exemplo de arquitetura colonial do século XIX, está em processo de revitalização. Mesmo para quem não fuma, é difícil não querer passar por ela. Entre os mais tradicionais, o Cohiba Esplêndido é vendido por 450 CUCs (caixa com 25 charutos), mas há opções mais em conta. No Parque Central está ainda o Capitólio Central, antiga sede do governo após a Revolução Cubana. Concluído em 1929 como uma réplica do Capitólio de Washington DC — uma das mostras da influência norte-americana sobre a ilha — o prédio é hoje a sede da Academia Cubana de Ciências, e também está sendo recuperado.
Sorvete, salsa e beisebol: a novela havaneira
Conhecer o bairro de El Vedado é uma boa forma de fugir (mas nem tanto) da movimentação turística e vivenciar o dia a dia havaneiro. Casas neoclássicas e palacetes art déco dão um charme ao ambiente arborizado. A região concentra os paladares, restaurantes particulares onde se encontra a tradicional comida cubana, como a ropa vieja (carne bovina desfiada). Até 2011, havia uma série de imposições do governo a estes negócios, que então foram flexibilizadas, e o modelo se espalhou por toda a Havana. Uma curiosidade: a novela "Vale tudo", exibida em Cuba na década de 90, foi que inspirou o nome paladar, já que assim era conhecido o restaurante de Raquel, personagem vivida por Regina Duarte. Isso mesmo, os cubanos são loucos pelas novelas brasileiras, e esse vai ser o principal assunto com o povo de Havana, que agora assiste à "Passione". Num ambiente em que internet é um total luxo, eles farão de tudo para que você conte o final.
De El Vedado pode-se continuar o caminho até o bairro vizinho, La Rampa, onde está uma das cenas imperdíveis da viagem a Havana. Entre as ruas 23 e L, encontra-se a sorveteria Coppelia, administrada pelo Estado. Ornamentado de painéis com vidros coloridos, da década de 60, o local tem dois andares e uma enorme área externa e, mesmo assim, consegue ficar lotado em dias de semana. Quando avistar uma fila dando voltas no quarteirão, vai pensar ter encontrado a sétima maravilha do mundo em termos de sorvete. Mais de perto, vai notar que há apenas um sabor por dia; para o turista a bolinha custa 1 CUC; definitivamente, não é a sétima maravilha. Mas é um verdadeiro teatro urbano da cultura havaneira.
Ao pôr do sol, nada melhor que caminhar por pelo menos parte dos oito quilômetros de avenida margeada pela orla do Malecón, que abrange o bairro de Vedado, o Centro e Havana Velha. No passeio, poderá notar as diferenças arquitetônicas da cidade e os carros antigos e fumacentos. Na esplanada do Malecón, a cena será composta por turistas e cubanos, casais, pescadores, músicos, crianças e jovens jogando futebol ou beisebol. E olhando para o mar, será possível avistar a Fortaleza de La Cabaña e o Castelo do Morro. O cenário é inspirador.
À noite, o bar e restaurante Bodeguita del Medio, na Rua Empedrado, em Havana Velha, é um dos mais conhecidos. Chegando ao local, é fácil entender o motivo: fotos e escritos de Ernest Hemingway mostram a predileção do escritor pelo estabelecimento durante o período em que viveu na ilha, nas décadas de 1940 e 1950. Mas realmente autêntico é o Palácio da Rumba, frequentado primordialmente por cubanos, com ótimos músicos de salsa, localizado no Parque Trillo, em Central Havana.
Em praças, museus e muros, um regime que ostenta sua força
O regime socialista demonstra sua imponência em construções monumentais, em outdoors divulgando ações, frases e figuras políticas, em pintura de muros. Exemplo disso é a grandiosa Praça da Revolução, cercada de edifícios do governo, entre eles, o Ministério do Interior, que ostenta uma escultura vazada de 30 metros de altura com a face de Che Guevara. Logo abaixo, o famoso slogan revolucionário "Hasta la victoria siempre".
A imagem foi feita a pedido de Fidel Castro depois que Guevara foi morto na Bolívia, em 1967. Mas o que mais chama a atenção na praça é o memorial José Martí, uma torre de 109 metros de altura, e na frente, uma estátua de 18 metros do escritor e revolucionário cubano. Um elevador permite subir ao topo da torre e avistar a cidade. A construção do monumento foi batizada em 1959 de Praça Cívica pelo então presidente Fulgêncio Batista. Logo em seguida, com a revolução, foi renomeada Praça da Revolução.
No Museu da Revolução, em Havana Velha, a história política da luta armada dos anos 1950 é contada em fotos, documentos, gravações e objetos dos revolucionários. Na área externa há veículos, aeronave e a embarcação Granma, usada por Fidel e companheiros na travessia do México a Cuba. O prédio de 1920, construído em estilo neoclássico, é o antigo palácio presidencial, de onde Batista se viu obrigado a fugir após ser atacado por guerrilheiros. No térreo, uma beleza à parte: o Salão dos Espelhos, projetado para se assemelhar ao homônimo cômodo do Palácio de Versailles, próximo a Paris.
O Muro das Bandeiras, no Malecón, é um exemplo curioso da conturbada relação de Cuba com os Estados Unidos. Em 2006, a missão diplomática norte-americana montou um telão na janela do quinto andar do prédio da embaixada para transmitir mensagens antirregime. Um mês depois, em retaliação, Fidel instalou majestosas 138 bandeiras cubanas bem em frente ao prédio, tapando a vista do telão. Mais à frente, foi construído o "Protestódromo", nome popular da Tribuna Anti-Imperialista, um enorme palco usado para debates políticos. Atualmente, sem bandeiras, os mastros se mantêm.
Em outdoors e muros de toda Havana estão estampados os militares da Revolução Cubana, assim como feitos do governo militar pós-revolução. Na parede da barbearia, na pintura do artista, no cartão-postal, e até numa tatuagem, a imagem de Che Guevara é exibida pelo havaneiro como a de um mártir, como a de Jesus Cristo em algumas residências brasileiras. Apesar da cultura da imagem de Che e da propaganda política forte na cidade, conversando com a população, o turista nota a fragilidade do sistema e sua consequente escassez de liberdades.
Do luxo à convivência cultural
Em Havana Velha, palacetes coloniais foram convertidos em hotéis. Em El Vedado, há meios de hospedagem inaugurados na década de 1950, na época dos cassinos. Em Miramar, as opções são os complexos construídos na década de 1990 pelas redes internacionais, principalmente as espanholas. É grande a gama de hotéis em Havana e, a maioria, ostenta certo luxo e amplos ambientes.
O Hotel Nacional é o mais tradicional. Construído em 1930 no estilo art déco, tem enormes jardins e piscinas. O Florida está no agito de Havana Velha e ainda é palco de diários shows de salsa. Na movimentada Rua Obispo, está o Hotel Ambos Mundos, onde o escritor Ernest Hemingway se hospedava. O Hotel Raquel, na Rua San Ignacio, tem um dos lobbies mais atraentes: teto com vitral, colunas e estatuetas de mármore, incrivelmente restauradas.
Alguns deles merecem mais do que apenas uma visita. Pois é somente nos hotéis que o turista encontrará o caro e raro acesso à internet. Por 6 CUCs, o acesso é de uma hora. E, com conexões lentas, não se consegue muita coisa além de enviar uns quatro emails avisando à família que está vivo.
Outra opção bastante interessante são as acomodações em casas familiares. O esquema foi legalizado por Fidel na década de 1990 e está cada vez mais profissionalizado. Um funcionário do governo vai se responsabilizar pelo agendamento, e até ligará para a casa para se certificar de que o hóspede chegou bem. Em cada casa habilitada, há uma placa com um símbolo azul na entrada, que facilmente será identificado.
Os quartos não têm luxo e estão em casarões geralmente velhos. Mas esta, sem dúvida, é a melhor forma de interagir com a cultura cubana. Um dos pontos altos do dia é o café da manhã. Sempre simpáticos, os donos da casa dão dicas de como se movimentar e conversam sobre os mais diversos assuntos. De política aos sistemas públicos de saúde e de educação, da salsa e do samba ao futebol e beisebol.
Serviço
Hospedagem em casas particulares: A lista de casas familiares credenciadas a receber turistas está em casaparticularcuba.org. As diárias custam cerca de 30 CUCs, e o café da manhã geralmente é pago a parte, por mais 2 CUCs ou 3 CUCs.
Onde comer:
Restaurante El Patio: Palacete barroco com cadeiras e guarda-sóis na Praça de Armas. Rua San Ignacio 54. Tel.             (53 7) 867-1034      .
Sorveteria Coppelia: A sorveteria estatal é uma das cenas imperdíveis da cultura cubana no Parque Central. Para turistas, a bola de sorvete custa 1 CUC. Rua 23 com L.
Câmbio:
A moeda usada pelos turistas é o peso cubano conversível (CUC), que se equipara ao dólar e vale 24 pesos cubanos, usados apenas pelos moradores da ilha.
Visto cubano:
O governo exige visto de entrada para turistas em Cuba. O visto custa R$ 80 e pode ser obtido em agências de viagens, companhias aéreas e na Embaixada de Cuba no Brasil. cubadiplomatica.cu

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