sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Um mergulho na cozinha e na história da cidade do Porto


Publicada em 19/01/2011 às 20h16m


O Restaurante da Alzira, no Cais da Ribeira, no Porto: bom, bonito, barato e tradicional / Foto: Bruno Agostini
Nas minhas viagens, as refeições são sempre momentos importantíssimos. Geralmente escolho alguns restaurantes antecipadamente, reservando mesa nos mais concorridos, e deixo também espaço para o acaso, para aqueles que surgem no caminho, seja por serem simpáticos, seja por indicação de algum morador. Foi assim que conhecemos O Restaurante da Alzira. Estávamos no Mercado do Bolhão e queríamos descer até o Cais da Ribeira. Paramos um grupo de três homens bem vestidos para pedir indicação de como chegar até lá. Depois, resolvi arriscar.
- Para vocês, qual é o melhor restaurante de lá, com cozinha típica portuguesa?
Eles pensaram um pouco, até que um deles disse, recebendo o consentimento dos outros dois, que balançaram afirmativamente a cabeça.
- Pode ir no restaurante da Alzira, é uma cozinha simples, mas muito boa.
Acreditamos. Fizemos muito bem. O restaurante fica na Viela do Buraco, escondidinha, mas também tem entrada pela Rua dos Canastreiros, ao lado da Praça da Ribeira. Tivemos uma daquelas refeições boas, bonitas e baratas, numa saletinha gostosa, com paredes de pedra e serviço simpático. Primeiro, sardinhas fritas, as melhores que já comi na vida, acompanhadas de um Murganheira "bruto".
Porto Dalva LBV 2004, vinho de encerramento do almoço do Restaurante da Alzira / Foto: Bruno Agostini
Depois, um arroz de tamboril com camarões, servido em panelinha de ferro, com molho espesso e apimentado, que não sai da minha memória até hoje, escoltado pelo agradável branco Plansel Selecta Reserva 2009. Dobradinha perfeita. Encerramos com o cabrito assado, temperado com pimenta rosa e servido com batatinhas coradas, que vinham imersas naquele molho aromático e delicioso. Para fechar, toucinho do céu, úmido, não muito doce, delicioso. No final, a conta deu cerca de 45 euros por pessoa, com vinho incluído (éramos quatro, e bebemos quatro garrafas, incluindo o Porto Dalva LBV 2004).
Na cidade do Porto há muitos restaurantes neste estilo, com cozinha tradicional, competente e a preços acessíveis, como O Buraco, indicado por amigos que fizeram ali uma ótima refeição, gastando apenas 12 euros (com taça de vinho, caldo verde, prato principal e sobremesa. Bom, né?).
Além dessas tascas tradicionais, a cidade do Porto tem hoje alguns restaurantes com estilo mais contemporâneo que são garantia de refeições inesquecíveis. Estava tudo programado para o último jantar do nosso pequeno grupo ser no DOP. Acontece que fui convocado, de última hora, para ir ao Foz Velha com os enólogos da Dão Sul. Convite irresistível, um jantar de gala que começou ao sabor de um delicioso azeite que leva a assinatura do chef da casa, Marco Gomes, que segue a linha criativa, mas explorando a riqueza gastronômica tradicional do país.
Crocante de alheira no Foz Velha: pegada contemporânea no Porto / Foto: Bruno Agostini
Assim, ele cria receitas como o crocante de alheira de Trás-os-Montes com maçã e molho de cogumelos (releitura desse embutido típico lusitano que fica ainda melhor sem a casca e envolto em massa filo), o taco de bacalhau com feijão fradinho, ovo e tomate em emulsão de salsa ou a bochecha de vitela em massa de pão, com misto de legumes e cogumelos selvagens. Além da cozinha competente, vale ainda destacar o ambiente agradável e romântico, com luzes baixas e bonita decoração - sem falar no bom serviço.
Fui ao Foz Velha, mas o sommelier João Souza jantou no DOP, e conta para nós como foi (ao que parece, segue uma linha parecida com a adotada no Foz Velha).
- Tive o prazer de jantar no DOC em outra ocasião e agora no DOP. Embora as duas cozinhas sejam assinadas pelo chef proprietário, Rui Paula, na minha opinião, neste último é ainda melhor. Ele foi feliz na inovação de pratos tradicionais. A delicadeza na elaboração e apresentação mostra um amadurecimento na sua culinária. A cozinha do DOP é evoluída e moderna, ao mesmo tempo em que conserva algum tradicionalismo. O serviço é muito bom, e o sommelier foi muito competente na harmonização. Uma pena que seja permitido fumar - avalia.
Para se lançar aos peixes e frutos do mar, Matosinhos é o lugar certeiro, com pescados sempre muito frescos, às vezes ainda vivos em aquários. Há vários restaurantes da especialidade, como o Quarentae4, que tem um espírito mais, digamos, internacional, apostando na mistura de receitas portuguesas com especialidades estrangeiras, além de outros mais tradicionais, como o Rincão do Mar, a Esplanada Marisqueira Antiga e Os Lusíadas.
Mas se a palavra em mente é tradição, nenhum restaurante supera o Portucale. Essa casa localizada no 13º andar de um prédio tem uma das mais lindas vistas da cidade à noite. O ambiente e o serviço são bem antiquados, e já ouvi alguns relatos de pessoas que não gostaram do lugar. Mas estava fantástico meu bacalhau com mariscos e camarões sobre um leito de grelos (o nome como são conhecidos por lá os brotos pode provocar uma risadinha entre os brasileiros, mas não dá para pedir este prato chamando-o de outra forma, é bom saber).
Do Mercado do Bolhão, desça para a HistóriaEstação de trens de São Bento: mesmo quem não está viajando deve visitar o prédio / Foto: Bruno Agostini
Três dias são suficientes para explorar a cidade do Porto. Uma dedicado ao Cais da Ribeira e à Vila Nova de Gaia, outro ao Centro Histórico e o terceiro aos passeios pelos arredores do Palácio de Cristal e da Avenida da Boavista.
A área histórica da cidade é pequena e pode ser percorrida a pé. Um bom ponto de partida é o Mercado do Bolhão, entre outras razões por estar num ponto mais elevado - as ladeiras da cidade são íngremes, e podem deixar o turista exausto. São dezenas de bancas no edifício, que está passando por restauro, vendendo toda a sorte de alimentos, com destaque para os embutidos, queijos e frutas. Nos arredores, há mais delícias em mercearias e confeitarias de decoração clássica, como a Do Bolhão, com vitrines recheadas de doces e salgados, e menu de almoço a preço atraente (pratos, incluindo polvo e bacalhau, a menos de 10 euros).
A uma curta caminhada dali, estão a Praça da Liberdade e a estação de trens São Bento, um prédio belíssimo, cuja visita não deve se limitar à fachada: no interior, as paredes são revestidas com paineis de azulejo que retratam a história de Portugal.
Ao redor da praça, estão algumas instituições financeiras, e pelo menos duas delas, o Banco de Portugal e o Banco Totta, merecem atenção não só de economistas, mas dos visitantes também, pelas obras de arte abrigadas ali.
Mais alguns poucos passos, e já estamos na Torre dos Clérigos, um dos principais cartões-postais da cidade, construída no final do século XVIII com 76 metros de altura, e que já foi um dia o edifício mais alto de Portugal. A vista do alto da torre é linda. Se animou? São mais de 200 degraus para se chegar até lá.
A capela de Nossa Senhora da Piedade / Foto: Bruno Agostini
Perto dali está o Centro Português de Fotografia, que funciona num prédio que um dia foi uma prisão. A instituição abriga uma preciosa coleção de máquinas e artefatos dos primórdios da fotografia, como daguerreótipos. Ali também são realizadas mostras temporárias.
Ainda seguindo ladeiras, abaixo, encontramos o suntuoso Palácio da Bolsa, a Igreja de São Francisco, e o Mercado Ferreira Borges. Vale um curto desvio de caminho para percorrer a Rua das Flores, eixo comercial bastante tradicional do Porto, com lojas que funcionam em belos edifícios do século XVIII.
Em estilo neoclássico, construído em 1834, o Palácio da Bolsa pode ser percorrido em visitas guiadas que passam pelo Pátio das Nações, iluminado por um teto de vidro, e pelo impressionante Salão Árabe, com decoração mourisca revelando colunas e mosaicos belíssimos.
A Igreja de São Francisco, colada ao Palácio da Bolsa, também tem um interior que merece atenção por seus elementos barrocos. Mas bastaria a Árvore de Jessé, um retábulo de rara beleza, representando a árvore genealógica de Jesus Cristo. Só ela já faz valer a entrada no templo.
Numa das outras laterais da Praça do Infante D. Henrique está o Mercado Ferreira Borges, construído em ferro no final do século XIX.
Bonde, maneira agradável de passear pela parte antiga da cidade do Porto / Foto: Bruno Agostini
Dali até o Cais da Ribeira, não se gasta mais que três minutos caminhando. Quase em frente à Ponte D. Luis I, está um plano inclinado que leva até a Praça da Batalha, de onde se pode ir caminhando até a Sé, a catedral da Cidade do Porto, visita obrigatória em qualquer roteiro por lá.
Outro dia pode ser dedicado a explorar a Avenida da Boavista. Nem que seja só para visitar a Fundação de Serralves, uma mistura de parque com museu de arte contemporânea e centro cultural. Além de passear pelos jardins (ótimo lugar para um piquenique com as iguarias compradas no Mercado do Bolhão), é possível apreciar a coleção permanente do museu e as muitas mostras temporárias que acontecem ali.
Outro lugar aprazível, relativamente próximo dali, para um passeio seguido de piquenique, é o Palácio de Cristal, com lindos jardins românticos.
Só não vale comer muito. Porque, depois do programa cultural, basta seguir a mesma Avenida da Boavista para se chegar até Matosinhos, já voltado ao Oceano Atlântico, onde estão concentrados como já foi dito nas páginas anteriores, uma série de restaurantes especializados em peixes e frutos do mar.
ONDE COMER
O Restaurante da Alzira: Cozinha tradicional com boa comida, preços atraentes, serviço simpático e ótima localização. Viela do Buraco 3, Ribeira. Tel (351) 222-005-004.
DOP:Cozinha portuguesa contemporânea e criativa comandada pelo chef Rui Paula. Fica no Palácio das Artes. Largo de São Domingos 18. Tel. (351) 222-014-313. www.ruipaula.com
Portucale: Um dos restaurante mais tradicionais da cidade, localizado no 13 andar de um prédio com vista incrível da cidade. Cozinha, ambiente e serviço clássicos. Rua da Alegria 598, Bonfim. Tel. (351) 225-370-717.
Foz Velha: Usando elementos típicos da cozinha portuguesa, o chef Marco Gomes monta cardápios criativos, com apresentação cuidadosa e muita técnica culinária. Esplanada do Castelo 141. Tel. (351) 226-154-178. www.fozvelha.com
Quarentae4: Dedicado aos pescados, mas com tratamento mais moderno que as outras casas da vizinhança. Na área de Matosinhos, Rua Roberto Ivens 44, Matosinhos. Tel. (351) 229-363-706.www.quarentae4.com
Bull & Bear: Endereço dos mais badalados, serve uma cozinha portuguesa contemporânea. Avenida da Boavista 3431. Tel. (351) 226-107-669.
D. Tonho: Boa comida com vista para o Rio Douro. Cais da Ribeira 9. Tel (351) 222-038-307.www.dtonho.com
PASSEIOS
Fundação de Serralves: Rua Dom João de Castro 210. Tel. (351) 808-200-543. www.serralves.pt
Palácio da Bolsa: Rua Ferreira Borges 4050-253. Tel. (351) 223-399-000. www.palaciodabolsa.pt

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