domingo, 19 de maio de 2013

As melhores baguetes e o primeiro bistrô de Paris em MontmartreP






Escadarias da Basilique du Sacré Coeur de Montmartre, principal cartão-postal do bairro que é cheio de padarias e bistrôs deliciosos
Foto: Bruno Agostini / O Globo

Escadarias da Basilique du Sacré Coeur de Montmartre, principal cartão-postal do bairro que é cheio de padarias e bistrôs deliciosos

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ARIS - Fernando Pessoa escreveu certa vez: "Saudades, só portugueses/ Conseguem senti-las bem/ Porque têm essa palavra/ Para dizer que as têm". Um raciocínio semelhante pode ser aplicado ao verbo flanar, expressão criada por outro escritor, o francês Baudelaire: flanar de verdade só é possível em Paris, cidade onde foi criado o termo. Montmartre e Belleville, espalhados pelos 18º, 19º e 20º arrondissements, são dois bairros ótimos para praticar a arte de andar sem rumo, subindo ladeiras e escadas, desvendando novos ângulos da capital francesa, descobrindo padarias que servem algumas melhores baguetes de Paris, restaurantes étnicos, lojas de design e galerias de arte, além de endereços históricos, como La Mére Catherine, onde teria nascido outra palavra imensamente relevante para os gauleses, bistrô, e o café Aux Folies, frequentado por ninguém menos que Edith Piaf.
Montmartre, mais especificamente a Rue des Abbesses, é um dos melhores lugares de Paris para se começar um dia de maneira muito parisiense. Isso porque estão ali algumas das melhores boulangeries da capital francesa, como Le Grenier à Pain, Coquelicot, La Flûte de Pain e Au Levain d’Antan — este último é o atual campeão do concurso de melhor baguete de Paris, que faz dele o fornecedor oficial do Palácio do Eliseu, residência do casal Nicolas Sarkozy e Carla Bruni (a Rue de Abbesses é bicampeã na acirrada disputa, já que Le Grenier à Pain venceu em 2010). Portanto, passear por Montmartre é uma ótima razão para dispensar o café da manhã do hotel. Não apenas pela qualidade de suas padarias, mas também pela enorme oferta de lojas de alimentos, tanto "traiteurs" que vendem pratos prontos, quanto as casas especializadas (em queijos, em vinhos, em pescados...).
Depois de comprar uma bela baguete, croissant ou brioche, ou mesmo os três, podemos sair em busca de queijos, geleias, embutidos, pastinhas e outros recheios que a nossa imaginação permitir pelas lojinhas da Rue de Abbesses, mais saboroso ponto de partida para um passeio por Montmartre. Gostoso e prático, já que a estação Abbesses do metrô — em ponto central, facilmente alcançada a partir de diversas linhas — está logo ali, a poucos passos dessa coleção de lugares deliciosos. Para achar a padaria Le Grenier à Pain basta ficar atento à fila, que está sempre à porta.
O imenso gramado, a menos de dez minutos de caminhada a partir dali, que desce as encostas da Basilique du Sacré Coeur de Montmartre é um convite irresistível para esticar a toalha e fazer um piquenique matinal — há vários banquinhos de madeira, com linda vista da cidade, que também são muito próprios para isso.
Montmartre é um bairro repleto de imigrantes, daí a quantidade imensa de restaurantes étnicos: há endereços chineses, tailandeses, tibetanos, cambojanos, indianos, húngaros, italianos, gregos... Nos arredores da Rue de Abbesses, e na própria, charmosamente calçada com paralelepípedos, encontramos uma babel gastronômica, com pratos autênticos e a bons preços, preparados por cozinheiros nativos desses lugares.
Muitos desses endereços são especializados em comida pronta, os "traiteurs", um achado para os que planejam um piquenique por aqueles lados: numa pequena área da Rue des Abbesses encontramos um traiteur asiático, chamado Shanghai; um outro italiano, La Bottega di Piacenza, e outro grego, a Pelops — além de uma bela "charcuterie", a Nathalie et Christian Durand; uma casa de chás, a Kusmi Paris; e uma loja de queijos, Les Fromages de Marie, com uma admirável coleção de exemplares de diversas regiões da França, e outras vitrines tentadores, que exibem vistosos sanduíches (tem cada croque monsieur lindíssimo), frangos assando lentamente (há uma casa especializada em aves, a Chicken Family), embutidos pendurados, peixarias (na Pepone, que prepara uma famosa sopa de pescados, é possível comprar peixes e frutos do mar vistosos; para as ostras, basta um limão para uma bela brincadeira ao ar livre), açougues (a Jack Gaudin vale a visita), mercadinhos com frutas vistosas, cafés, brasseries, bistrôs...
Amantes das ostras, aliás, encontram um porto seguro na tradicional La Mascotte, um bar especializado em peixes e frutos do mar, que tem sempre uma ótima seleção delas, exposta do lado de fora. Com tamanha concentração de endereços gastronômicos, a Rue des Abbesses (e a Rue Lepic, sua continuação) é um paraíso gourmet, mas os turistas ainda não descobriram isso, e é difícil ouvir outras línguas que não o francês num passeio por ali — sim, Montmartre é um bairro bastante turístico, mas apenas o eixo Sacré Coeur-Praça do Tertre. A parte baixa é quase que inteiramente dos parisienses.
Um ótimo lugar para um aperitivo depois do café da manhã em forma de piquenique e antes do almoço, na parte alta de Montmartre, é o bar de vinhos e loja Caves des Abbesses, que tem uma ótima seleção de rótulos (quem só quer comprar uma ou mais garrafas tem, ainda, pelo menos mais duas lojas ali, a onipresente Nicolas e a De Verre en Vers). Para os dias mais quentes, duas mesinhas do lado de fora convidam a ficar por ali, bebericando ao sabor de pratos de petiscos, com queijos, embutidos e conservas. No frio, nos fundos da loja há um pequeno e acolhedor salão, com algumas mesas. Para um bom "gelato", a Amorino — provavelmente a rede de sorveterias que mais cresce no mundo — serve uma ótima seleção deles, feitos sem conservantes e corantes, no estilo italiano, usando leite fresco e ovos "biô".
Montmartre não é nenhum Marais, mas existe ali um comércio moderninho, com algumas galerias de arte e lojinhas de roupas e objetos que agradam em cheio à turma que curte design e afins, como a Pylones e a Kiehl’s, uma marca de produtos de beleza muito fashion. Os amantes da gastronomia encontram diversão garantida na Ets Lion, ainda na Rue des Abbesses. Inaugurada em 1895 é loja de produtos alimentícios, como ervas, geleias e objetos de culinária e decoração de cozinhas, como velas, potes e travessas, além de plantas, sementes e material para jardinagem. Dá para ficar um longo tempo, olhando e comprando, olhando e comprando...
Ainda que o maior burburinho artístico esteja na parte alta do bairro, passeio que deixamos para a parte da tarde (leia mais na página seguinte), na Rue des Abbesses e cercanias também encontramos algumas boas galerias, como a Tableaux e a W Eric Landau. A Yellow Korner é uma imperdível galeria de arte dedicada exclusivamente à fotografia, com uma incrível seleção de imagens, entre registros clássicos de artistas famosos e importantes agências de imagens (como a americana Keystone) a novos talentos nessa área. Dá vontade de encher a parede de casa com essas imagens. Há por ali, ainda, algumas lojas de suvenires com peças bastante interessantes, como a Montmartre Je t’aime, e até uma casa especializada em objetos angelicais, La Boutique des Anges, onde encontramos tudo o que se possa imaginar relacionado ao tema, de envelopes para cartas e abajures, passando por ímãs de geladeira, velas e toda a sorte de imagens (quadro, gravuras etc). Ainda na linha loja temática, na Rue Tardieu, no caminho para a Basilique du Sacré Coeur de Montmartre, encontramos uma casa especializada em frascos de perfume e talco, e assemelhados, a Belle de Jour, que reproduz, restaura e vende essas peças.
Para se chegar à parte alta do bairro há pelo menos três possibilidades: usar o trenzinho branco que circula por Montmartre (com saída e chegada da Place Blanche, bem próxima à Rue des Abbesses), subir pelo funicular que está aos pés da igreja ou, então, encarar os degraus da escadaria, num programa relativamente cansativo, mas que revela aos poucos lindos ângulos de Paris.
Um almoço no primeiro ‘bistrot’
Depois de subir as escadarias da linda Basilique du Sacré Coeur de Montmartre, a fome bateu. Enquanto saboreava um "oeuf cocotte au foie gras" eu esperava o meu prato principal, um parmentier de canard, espécie de escondidinho de pato à moda francesa. Na taça, um Bordeaux 2008, do Château Sainte Catherine. No salão de teto baixo do restaurante La Mère Catherine, na parte alta de Montmartre, um casal interpretava clássicos do cancioneiro popular francês, ele ao piano, ela deslizando de mesa em mesa, apresentando um repertório conhecido. Eis que a cantora se vira para mim, pega na minha mão, e canta, em tom claramente piedoso, como quem tivesse pena desse turista solitário em um domingo frio e chuvoso. "Quand il me prend dans ses bras/ Il me parle tout bas/ Je vois la vie en rose/ Il me dit des mots d’amour". "La vie en rose": impossível não sorrir, de vergonha e de alegria. Em seguida ela partiu para a mesa ao lado, onde pôde dividir o seu repertório com clientes da casa, parisienses legítimos que sabiam todas as letras de cor e salteado, porque Montmartre é um bairro muito particular da capital francesa: mistura, como nenhum outro, talvez em iguais proporções, moradores locais e turistas (mas só nessa parte alta).
Não demorou muito para o garçom chegar com o meu pedido, um parmentier admirável em todo o seu esplendor franciscano: comida simples, muito saborosa e reconfortante, uma receita bastante apropriada para aquela tarde fria de dezembro. Em seguida, para fechar, uma tarte tatin devidamente escoltada por um Bas-Armagnac 1976, completando o menu da casa que eu havia escolhido, a razoáveis 36 euros por pessoa.
O La Mère Catherine é um clássico parisiense, fundado em 1793. Reza a lenda que o termo "bistrot" teria sido criado ali, em 1814, pelos cossacos russos, que famintos entraram no restaurante gritando "Bistro, bistro", que significa "rápido", na língua de Dostoiévski. Verdade ou mentira, o fato é que o La Mère Catherine é um restaurante altamente recomendável: foi sugerido tanto pelo guia (de papel) que levei comigo na viagem quanto pelo concièrge do classudo hotel Le Meurice, que nem pestanejou quando pedi uma sugestão de almoço em Montmartre.
— O Moulin de la Galette é ótimo, e tem feito muito sucesso com o público interessado em gastronomia. Mas eu diria que o melhor restaurante ali, considerando a qualidade da comida, o ambiente e a história do lugar, é o La Mère Catherine. O senhor vai gostar, posso garantir — disse o solícito rapaz.
— Reserva o La Mére Catherine para mim? — foi a minha pronta resposta, e de fato tive momentos muito saborosos e felizes ali. Merci, monsieur.
O restante já sabemos. Além dos atributos gastronômicos, arquitetônicos e históricos, o La Mère Catherine reserva ainda outro: o geográfico. O restaurante está localizado na pequenina e charmosa Place du Tertre, onde encontramos uma imagem típica de Paris, que já quase não se vê mais em outros pontos da cidade: são os artistas de boina pintando ao ar livre.
É bem verdade que nem todos usam qualquer cobertura para a cabeça, nem cultivam um bigodinho impecável, como no imaginário coletivo, estereótipo do pintor francês, mas a cena é absolutamente parisiense, inclusive pela boa quantidade de turistas, que posam para os retratos feitos na hora, que podem ser, ou não, um belo suvenir. Passear por ali é uma ótima pedida para depois do almoço. E quem quiser pode investir entre 20 euros e 50 euros, e levar para casa um desenho, que pode ser uma divertida caricatura ou retrato mais fiel à realidade, seguindo as mais diversas escolas artísticas e estilos. Ah, sim: você também pode levar uma fotografia de alguém querido para ser reproduzida pelos artistas, uma espécie de "Estive em Paris e lembrei de você" (em versão très chic).
Como catalisadora de pintores, a praça também atrai galerias de arte, como a Montmartre, com uma chamativa fachada vermelha, espécie de posto avançado do Espace Dalí, um museu e loja dedicado ao artista espanhol, que está a poucos passos dali e pode ser uma ótima opção de passeio para se fazer a digestão. É possível levar para casa pinturas e esculturas, em edições limitadas, e toda a sorte de objetos e suvenires de Dalí.
Para continuar o tour pela História da Arte, que tem no bairro um importante e eterno ponto de referência, uma curta caminhada conduz até a pequena Rue Ravignan, onde está, no número 13, o Bateau Lavoir, na Place Emile Goudeau, antiga residência, no início do século passado, de artistas, como Pablo Picasso (que viveu ali entre 1900 e 1904), Max Jacob, Henri Matisse, Georges Braque e Amedeo Modigliani, escritores, como Jean Cocteau, além de atores, marchands...
Dali vale esticar a caminhada pelas ruas adjacentes, como Avenue Junot (uma das mais caras de Paris), a Rue Norvins, a Rue Girardon e a Rue Caulaincourt. Ou andar sem rumo, flanando, observando os prédios antigos e os jardins, as pessoas voltando pra casa com a baguete debaixo do braço, os donos passeando com os seus cachorros. A vida como ela é, porque em Paris o cotidiano parece mais belo e glamouroso.
Para encerrar o dia, um programa fofo e bastante turístico é jantar no Les Deux Moulins, famoso por ter sido cenário do filme "O fabuloso destino de Amélie Poulin". A comida não está entre as mais respeitáveis, vale mais para beber uma tacinha de vinho. Melhor mesmo é seguir até o Le Miroir, talvez o melhor restaurante de Montmartre. Só não se esqueça de reservar a sua mesa, porque muita gente sabe disso, inclusive os turistas e os guias de viagem.
Encerrar com o jantar? Só quem quiser. Porque duas das casas de shows mais famosas de Paris estão por ali. O Moulin Rouge fica perto do Le Miroir. E o Au Lapin Agile, outro ícone entre os cabarés parisienses, não8 está muito longe, mas é bom pegar um táxi. Basta escolher.
Serviço:
Restaurantes
La Mère Catherine: Place du Tertre 6. Tel. 4606-3269.lamerecatherine.com
Moulin de la Galette: Rue des Moulins 15. Tel. 3980-6955.moulindelagalette.fr
Le Miroir: Rue des Martyrs 94. Tel. 4606-5073.
Les Deux Moulins: Rue Lepic 15. Tel. 4254-9050.
Padarias
Le Grenier à Pain: Rue des Abbesses 38. Tel. 4606-4181.legrenierapain.com
Au Levain d’Antan: Rue des Abbesses 6. Tel. 4264-97 83.
Coquelicot: Rue des Abbesses 24. Tel. 4606-1877. coquelicot-montmartre.com
Traiteurs
La Bottega di Piacenza: Rue des Abbesses 53. Tel. 4492-9099.
Shanghai: Rue des Abbesses 50. Tel. 4264-3658.
Pelops: Rue des Abbesses 44. Tel. 5328-2669.
Nathalie et Christian Duran: Rue des Abbesses 30. Tel. 4606-4435.
Lojas
Les Fromages de Marie: Rue des Abbesses 32.
La Cave des Abbesses: Rue des Abbesses 43. Tel. 4252-8154.cavesbourdin.fr
Ets Lion: Rue des Abbeses 7. Tel. 4606-6471. epicerie-lion.fr
Yellow Korner: Rue des Abbesses 44. Tel. 4258-3128.fr.yellowkorner.com
Kusmi Tea: Rue des Abbesses 38. Tel. -4278-1196. kusmitea.com
La Boutique des Anges: Rue Yvonne le Tac 2. Tel. 4257-7438.boutiquedesanges.fr
Belle de Jour: Rue Tardieu 7. Tel. 4606-1528. belle-de-jour.fr
Passeios
La Basilique du Sacré Coeur de Montmartre: A entrada é gratuita, e fotos são proibidas. Vale a pena subir até a cripta para ter um dos mais lindos panoramas de Paris (das 9h às 19h; no inverno, até as 18h). O templo fica aberto das 6h até as 22h30m (entrada permitida até as 22h15m). Rue du Chevalier de la Barre 35. Tel. 5341-8900. sacre-coeur-montmartre.com
Espace Dalí: O ingresso custa 11 euros. Rue Poulbot 11. Tel. 4264-4010.daliparis.com
Le Petit Train de Montmartre: O trenzinho simpático circula pelo bairro em tour que dura aproximadamente 40 minutos, com partida e chegada da Place Blanche, e passando por pontos turísticos como a Place du Tertre, o Espace Dalí, a basílica e o cemitério de Montmartre. O passeio, ida e volta, custa 6 euros. Tel. 4262-5030. promotrain.fr
Casas de shows
Moulin Rouge: Só o show custa 95 euros (há preços combinados com jantar, podendo chegar até 200 euros, o chamado menu Belle Époque. Boulevard du Clichy 82. Tel. 5309-8282. moulinrouge.fr
Au Lapin Agile: O ingresso custa 24 euros, com direito a uma bebida. Rue Saules 22. Tel. 4606-8587. au-lapin-agile.com

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