segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A chef do Mitterrand


 François Mitterand foi o mais gourmet dos presidentes da França. Como tal, claro, teve uma chef de cozinha particular na sede de governo em Paris, no 55 da Rue Saint  Honoré. A história e trajetória da primeira chef mulher de cozinha do governo francês é mostrada no delicioso "Les Saveurs du Palais", em cartaz no Festival do Rio. Para os amantes da gastronomia, o filme é imperdível, um adorável desfile das mais finas iguarias francesas, mostradas com requinte em cenário único; o Palais Elysée. Vi três vezes seguidas. E pretendo ver mais.

 
Hortense Laborie é uma chef que vive em sua pacata fazenda no Périgord fazendo maravilhas com receitas de família. Até o dia em que recebe uma ligação de um assessor do ministro da cultura convocando-a para uma reunião em Paris. Era Mitterrand, que, por indicação de Joel Robouchon, queria convidá-la para comandar a cozinha do Palais Elysée, cujo staff, enorme, era 100% masculino.
Madame Laborie chegando ao Palacio, em uma das cenas de "Les Saveurs du Palais".
Só homens na cozinha: hostilidades do começo ao fim
"Quero comida francesa verdadeira, simples, de terroir. Me dê o melhor da França", diz Mitterrand (Jean D' Ormesson) a Madame Hortense (Catherine Frot) que é como a chef gosta de ser chamada. Elegante, sempre de colar, Madame Laborie enfrenta o batalhão da cozinha com pérolas (uma coleção de colares lindos) no pescoço, tailleur e um simples avental na cintura. Não usa roupa de chef.
Hortense Laborie, na verdade, é  Danièle Delpeuch, que por dois anos foi chef de Mitterrand. Quando saiu, isolou-se numa base  científica no arquipélago de Grozet, Antártida, para cozinhar para os funcionários dessa base por um ano. Depois, escreveu "Mes cadernets de cuisine, du Périgord de L´Elysée, que serviu de base para a obra do diretor Christian Vincent.
 
"Mitterrand" e a chef: chegada de trufas do Périgord, da fazenda de Laborie. Ela pega uma torrada, lambuza com manteiga de trufas, corta fatias fininhas e dispõe calmamente  sobre o pão. Depois, abre um Chateau Rayas 1969 e degustam juntos, na penumbra da cozinha do Elysée. 
 O filme mostra o dia-a-dia da cozinha do palácio, onde a elaboração de pratos é protagonista:
 compras em feiras, frangos de Bresse recheados com trufas, coquilles, carregamento de cogumelos, rosbife en croute, cannards douradinhos, foie gras, gigot d' agneau...   
 e o  apoteótico Le chou farci au saumon braisé aux petits lardons (foto), que traz o passo a passo da elaboração do prato. Um dos momentos altos do filme...
O filme teve a ajuda técnica de famosos chefs franceses, como Guy Legay, do Hotel Ritz de Paris. Várias  cenas foram gravadas no Palácio, e outras no Chateaux de Chantilly e Vigny, e no estúdio Bry-sur Marne.
Outro charme do filme: Jean D' Ormesson, que faz Mitterrand, é um intelectual, membro da Academia Francesa, ex-diretor do Figaro, secretário do conselho internacional pelos estudos filosóficos e humanista da Unesco e, como se não bastasse, seu pai foi embaixador no Brasil
São mais de 60 minutos de puro prazer. "Les Saveurs du Palais" é a  "Festa de Babette" da vez. 
 
Brincadeirinha na imprensa francesa: Valérie Trierweiler, a senhora Hollande
 A seguir, um texto exclusivo da Roberta Sudbrack que assim como Madame, foi a primeira chef mulher do Palacio Presidencial, governo Fernando Henrique Cardoso.
"Ideal de todo cozinheiro é ter o seu próprio restaurante. É isso que alimenta as nossas fantasias e alimenta( os nossos sonhos. O posto de chef de cozinha do Palácio Presidencial do seu país, de tão improvável, não pode ser qualificado como sonho. Mas, como nos contos de fada, acontece... Quando assumi a cozinha do Palácio da Alvorada deixando de lado por alguns anos o sonho de construir o RS, percebi que estava diante de um desafio tão grande ou maior do que o de ter o meu próprio restaurante. Foram anos de muito trabalho, desafios e um aprendizado sem fim. Experiências únicas que no fundo no fundo, não temos a ousadia de imaginar que possam ser palpáveis. Um dia acordava com o telefonema do cerimonial da presidência da república informando que todo o menu que havíamos imaginado para o banquete para Rei da Espanha haveria de ser mudado pois a Rainha era vegetariana! No outro recebia um fax do cerimonial do Palácio de Buckinghan informando as preferências alimentares do Príncipe Charles, entre elas caças selvagens, provavelmente ainda com o buraco da bala para provar a origem da mesma e cogumelos colhidos no bosque pela manhã, antes das 5hrs! Foram anos intensos e cansativos, mas profundamente bem vividos e sonhados. O sentido de patriotismo que sempre me acompanha hoje em dia quando represento o Brasil em congressos de gastronomia mundo a fora, era ainda mais presente a cada manhã quando entrava na cozinha do Palácio Presidencial do meu país para cumprir a missão de alimentar reis, rainhas, chefes de estado do mundo inteiro e preparar o arroz com feijão da equipe de cozinha. Feijão esse que de tão cheiroso muitas vezes fazia o telefone da cozinha tocar: “Roberta, é o Presidente, que cheirinho de feijão é esse? Manda um pouquinho pra mim?” Sim senhor Presidente...”
Roberta Sudbrack
Agende-se! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário